“O ESSENCIAL DO HINDUÍSMO”
Uma visão compreensiva da mais antiga
religião do mundo
Swami Bhaskarananda
I
A HISTÓRIA DO HINDUÍSMO
O hinduísmo é uma das religiões mais
importantes do mundo. Existem hoje aproximadamente 720 milhões de hindus. A
maioria está na Índia, mas populações significativas também vivem no Nepal, nas
Ilhas Maurício, nas Ilhas Fiji, na África do Sul, no Sri Lanka, na Guiana, na
Indonésia (Bali), e em alguns outros poucos países. O hinduísmo tem, na maioria
das estatísticas, muitos milhares de anos e se distingue como sendo a mais
antiga das religiões existentes no mundo. Embora saibamos ser mais antiga que o
jainismo, o budismo, o cristianismo e o islam, é difícil determinar sua idade
exata. Alguns eruditos acreditam que o zoroastrismo, que também é uma das mais
antigas religiões no mundo, teve sua origem baseada nas mesmas escrituras que
originaram o hinduísmo.
OS
ANCESTRAIS DOS HINDUS E SUA RELIGIÃO
Os ancestrais dos hindus eram
conhecidos, em sânscrito, como āryas.
A palavra equivalente em português é ariano
ou indo-ariano. Os arianos chamavam
sua religião de Ārya Dharma – a
religião dos arianos, e desconheciam completamente a palavra hinduísmo. A
palavra dharma, nesse contexto,
significa religião, ou deveres religiosos. O sânscrito que pertence a família
de línguas indo-européias, era o idioma dos indo-arianos.
Os arianos também chamavam sua religião
de Mānava Dharma, ou a religião
do homem, o que significava não ser essa, uma religião exclusiva dos arianos,
mas sim, aplicável a toda a humanidade. Um outro nome era Sanātana Dharma – a religião eterna, ilustrando a sua crença
de que a sua religião se baseava em verdades eternas.
O nome, hinduísmo, veio bem mais tarde.
Um dos países vizinhos, a Pérsia, fazia fronteira com a Índia antiga, que naquela época era conhecida como Āryāvarta – a terra dos
arianos. A fronteira entre a Pérsia e a Índia antiga era o rio Indus, em
sânscrito, Sindhu. Os persas não
conseguiam pronunciar a palavra sindhu
corretamente; pronunciavam-na hindu,
e também se referiam aos arianos que viviam na outra margem do rio, como hindus. Assim, a religião dos arianos
passou a ser conhecida como hinduísmo.
VERDADES
SUPRA-SENSORIAIS – A BASE DO HINDUÍSMO
. De onde
veio o universo, e como?
.
Se existe um criador, como é Ele? Qual o relacionamento entre a criação e o
criador?
.
O que nos acontece quando morremos?
.
Nós existimos depois da morte?
.
Será que existíamos antes de nossos nascimentos?
Tais perguntas têm desafiado a mente
humana desde o aparecimento da humanidade. Mesmo aqueles com as mentes mais
inteligentes não encontraram respostas definitivas para essas perguntas.
Quaisquer que sejam as respostas
encontradas, elas se baseiam em mera especulação. Mas alguns santos
espiritualmente iluminados, com a ajuda de suas mentes purificadas, acharam as respostas e as tornaram conhecidas para
nós. Essas respostas foram eventualmente registradas em livros, conhecidos como
escrituras. As escrituras , de acordo com o hinduísmo, são únicas na sua
habilidade de revelar verdades desconhecidas por mentes impuras.
A diferença entre uma mente “impura” e uma mente “pura”, pode ser explicada
através da seguinte analogia.
Gelo, água e vapor – essas três coisas
são a mesma substância química. Ainda assim, são muito diferentes em suas
propriedades. Relativamente falando, o gelo é o que tem menos liberdade dentre
os três; mal se move. A água tem mais liberdade; pode facilmente fluir e se
espalhar. O vapor é o mais livre de todos. Não só pode se espalhar em todas as
direções, mas além disso, sendo invisível, é também o mais sutil dos três,
podendo chegar até onde nem o gelo, nem a água podem.
Assim também é a mente humana. Uma mente
impura, não importa o quão inteligente, tem muitas limitações. Não conhece nada
além do domínio da percepção sensorial, ou seja, do que está além do mundo do
tempo e do espaço. Não pode saber o que vai acontecer no momento seguinte, ou o
que aconteceu no passado distante. Verdades metafísicas, tais como o
conhecimento da existência de Deus, estão além do alcance de uma mente assim.
Mas, quando essa mesma mente é purificada, ou transformada através de
disciplinas espirituais, e se torna uma mente extraordinária, ela pode
transcender as barreiras do mundo sensorial e alcançar a fronteira mais
longínqua do mundo do tempo e do espaço. Tal mente, pode então vislumbrar o que
está além do domínio dos sentidos, e adquire capacidades extraordinárias. Se
torna onisciente e pode saber de todos os eventos do passado, do presente e do
futuro. Um verdadeiro santo possui uma mente pura assim. Com a ajuda de tal mente, o santo vem a saber a verdade
a respeito de Deus, da alma, da criação etc. Essas verdades são chamadas de
verdades supra-sensoriais, ou verdades metafísicas. O hinduísmo, como as outras
importantes religiões do mundo, se baseia nessas verdades que foram descobertas
por seus sábios de mente pura.
O
FUNDADOR
O
hinduísmo tem a distinção única de não ter um fundador conhecido, e a pessoa
pode se perguntar, como pode existir uma religião sem um fundador? As verdades
eternas e supra-sensoriais, descobertas por sábios da Índia antiga, são a
fundação do hinduísmo. Esses sábios preferiram permanecer anônimos porque
perceberam que essas verdades devem ter sempre existido, assim como a lei da
gravidade já existia quando foi descoberta por Newton. Os sábios também
realizaram que essas verdades eternas haviam vindo de Deus, a mesma fonte de
onde tudo mais na criação provem. Porque essas verdades vieram de Deus, os sábios
as chamaram de apaurusheya- não
provenientes do homem.
Por não ter um fundador conhecido, o
hinduísmo tem uma certa vantagem sobre outras religiões. Se fosse uma religião
com um fundador específico, teria sido difícil passar pelo tipo de evolução que
tem experienciado durante os muitos milhares de anos passados. Em épocas
diferentes, muitos santos e incarnações divinas tem aparecido nesse palco e
representado seus papéis individuais, enriquecendo o hinduísmo com seus
ensinamentos. Ao reinterpretar antigos textos das escrituras, eles tornaram a
religião relevante para pessoas e épocas diferentes. Através de suas próprias
experiências espirituais, eles também validaram as verdades das escrituras.
Qualquer uma das antigas religiões pode
ser comparada a um sótão em uma casa velha, que, a não ser que seja limpo
regularmente, acumula poeira e teias de aranha, e eventualmente se torna
inútil. Da mesma forma, se uma religião não for limpa e atualizada de tempo em
tempo, ela perde sua utilidade e seu significado para pessoas diferentes em épocas diferentes. Isso
não aconteceu com o hinduísmo. Felizmente, em períodos diferentes, muitos
santos verdadeiros nasceram na Índia. Limparam, reformaram e revitalizaram a
religião, tornando-a relevante àquele momento no tempo. Isso não teria sido
possível se o hinduísmo tivesse um fundador.
II
A REALIZAÇÃO DE DEUS
A
INEVITÁVEL META
O hinduísmo reconhece quatro metas da
vida humana:
.
Kāma – satisfação dos desejos
por prazeres sensórios
. Artha – aquisição de coisas do mundo e dinheiro
.
Dharma – observância de deveres
religiosos
. Moksha – liberação atingida através da realização de Deus
Entre essas quatro, Kāma é considerada a mais inferior, porque esse impulso é
comum aos homens e aos animais. Artha,
por outro lado, é percebido principalmente nos seres humanos, e é considerado
superior a Kāma. A terceira
meta, Dharma, não é nada mais que
treinar-se no sacrifício próprio. Kāma
e Artha estão enraizadas no egoísmo,
enquanto que Dharma, não está.
Portanto, dharma é superior a kāma
e artha.
O modo de vida hindu consiste na
performance de uma série de deveres religiosos, ou Dharma, que são ditados pelas escrituras. Até mesmo para adquirir
coisas do mundo ou para satisfazer suas paixões, um hindu deve considerar seu dharma. Por isso, kāma e artha – que
são mencionadas como sendo duas metas diferentes de dharma – são incluídas na categoria de dharma por alguns eruditos.
Moksha,
que significa “liberação”, pode ser alcançada apenas através da realização de
Deus. O hinduísmo acredita na onipresença de Deus e fala da presença da
divindade em todos seres humanos, que embora igualmente presente em todos, não
esta igualmente manifestada. O propósito das práticas espirituais é manifestar
essa divindade inerente, e quando essa divindade se torna completamente
manifesta, tal pessoa é uma alma que realizou Deus e atingiu moksha.
Essa divindade é o verdadeiro Ser do
indivíduo, e é o âmago da existência humana. A pessoa pode deixar de lado
qualquer coisa, mas não aquilo que é o âmago do seu Ser. Mais cedo ou mais
tarde, esse verdadeiro Ser, ou divindade, deve se manifestar. Todos, sem
exceção irão finalmente atingir moksha.
Algumas almas altamente evoluídas podem conseguir isso nesta vida, ou após suas
mortes. Outros, não tão evoluídos, podem
necessitar de muitas outras encarnações. O esforço consciente ou a prática
espiritual sincera, contudo, podem ajudar no alcance mais rápido da meta. Não
obstante, ainda que inconscientemente, todos rumam em direção a essa meta.
De acordo com o hinduísmo, a
bem-aventurança infinita é um dos
principais aspectos da divindade. Até mesmo através de kāma ou artha, o
homem está tentando, inconscientemente, alcançar seu Ser divino – que é essa
bem-aventurança infinita. Não importa o quanto se consiga prazer ou dinheiro,
sempre se quer mais, pois a satisfação não pode ser encontrada através deles. A
felicidade proveniente do prazer e do dinheiro é finita, e finalmente
realiza-se que a busca pela bem-aventurança infinita, através de meios externos
e finitos, não leva a lugar algum.
Esse conhecimento o inspira a mudar de
direção e buscar, conscientemente, a fonte da bem-aventurança infinita dentro
de si. Quando a pessoa chega a essa fonte perene de bem-aventurança infinita,
todos seus desejos e vontades desaparecem. Ela tem então a experiência de Deus
– a divindade que tudo permeia – dentro e fora de si. Experiencia Deus enquanto
essência de tudo e de todos os seres. Ama a todos, até mesmo seus inimigos,
porque não vê inimigos em ninguém. Ela transcende todo o sofrimento, o medo e a
tristeza. Neste estado, qualquer interação com o mundo é a experiência mais
feliz e recompensadora, porque é na verdade, interação com Deus. Ela se vê como parte de um jogo divino, onde
Deus representa todos os papéis, inclusive o seu. Ela já não consegue se
identificar com o seu complexo-mente-corpo, que está sujeito ao nascimento, a
mudança, a decadência e a morte. Ela adquire então, a convicção inabalável de
que é o eterno, divino espírito – sem nascimento e sem morte.
Isto é moksha ou “liberação”. Moksha
é a inevitável meta da vida humana. Em comparação a essa intensa experiência de
bem-aventurança, qualquer outra felicidade, proveniente dos sentidos, é sem
sabor e insípida. As escrituras do hinduísmo, recorrentemente, insistem que os
hindus se esforcem para essa meta.
III
OS LIVROS SAGRADOS
OS TEXTOS REVELADOS
As verdades divinas reveladas se chamam Vedas. A palavra sânscrita veda, significa conhecimento. Os sábios hindus, consideravam essas verdades tão sagradas que, por muito tempo, elas não foram escritas. Eles as preservaram em suas memórias, e as ensinaram a estudantes merecedores, através da instrução oral.
Esses sábios, adquiriram uma memória fenomenal, através da prática do celibato. Celibato não é nada mais que conservação de energia, e esses sábios da Índia antiga sabiam que uma pessoa que não desperdiça sua energia em buscas sensoriais descontroladas, particularmente a atividade sexual, pode melhorar muito a sua memória e outras faculdades mentais. Outros benefícios do celibato são: Longevidade e dhāranā shakti – a habilidade de entender os significados mais profundos das escrituras. Equipados de tal memória, eles eram capazes de memorizar as inúmeras verdades védicas. Seus estudantes, que eram também celibatos, escutavam essas verdades, memorizavam-nas, e moldavam suas vidas de acordo com elas. Porque aprendiam escutando, sem ler, essas verdades vieram a ser conhecidas como Shruti, que literalmente significa escutar.
No início, os arianos não eram uma nação homogênea, ou unificada. Existiam muitas tribos arianas e, felizmente, em muitas dessas tribos viviam sábios que haviam experienciado verdades supra-sensoriais. Esses santos, ou sábios eram chamados de Rishis, ou videntes, porque eles haviam visto a verdade com suas mentes purificadas.
Um sábio, ou um santo, no contexto do hinduísmo, é alguém que experienciou Deus diretamente, nesta vida. Uma pessoa que possui virtudes nobres, e se engaja em boas ações, é apreciada no hinduísmo. Mas não é necessariamente considerada uma pessoa santa. Além disso, no hinduísmo, a santidade não é reconhecida através da canonização após a morte.
Com o tempo houve a necessidade de coletar e compilar as verdades védicas. Um sábio chamado Krishna Dvaipāyana Vyāsa as coletou de diferentes fontes e as registrou num livro chamado Vedas. Os Vedas tinham quatro partes – Rig-Veda, Sāma-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda. Os textos mais antigos dos Vedas, tal como os hinos do Rig-Veda, foram escritos numa forma arcaica de sânscrito, chamada de sânscrito védico.
Em reconhecimento pela sua monumental compilação dos Vedas, Krishna Dvaipāyana Vyāsa recebeu o nome de Veda Vyāsa. Os hindus se recordam desse antigo sábio com muita gratidão, e o honram celebrando seu nascimento anualmente. Seu aniversário se chama Guru Pūrnimā, ou o dia do guru. A palavra sânscrita, guru, significa professor. Nesse caso em particular, guru se refere ao grande professor Vyāsa.
* ilustração - Krishna Dvaipāyana Vyāsa
A mensagem mais importante dos Vedas é a de que tudo e todos os seres são divinos. Nos Vedas existem quatro afirmações muito importantes que se chamam Mahāvākyas, ou “grandes frases”. Três dessas quatro, falam sobre a divindade de toda alma e a quarta fala sobre a natureza de Deus:
. Aham Brahmāsmi – Eu sou Brahman (Deus)
. Tat tvam asi – Você é Aquilo (Brahman)
. Ayam ātmā Brahma – Este Ser interior é Brahman
. Prajnānam Brahma – O conhecimento supremo é Brahman
Embora Deus esteja presente em todos os lugares, Sua manifestação não é a mesma em todos os seres e lugares. Para explicar isso, consideremos quatro lâmpadas de 100 watts cada. Se acessas, cada uma produz luz com a mesma intensidade, mas se cobrirmos a primeira lâmpada com uma folha de papel, a segunda com duas folhas, a terceira com três folhas, e deixarmos a quarta descoberta. Quando ascendermos a luz, perceberemos que nem todas brilham com a mesma intensidade, ainda que não se possa negar a presença da mesma luz em todas as lâmpadas. Da mesma forma, Deus está igualmente presente em todos os lugares, mas não igualmente manifesto. Sua manifestação é maior em incarnações divinas e em almas espiritualmente iluminadas, e é menor em objetos inertes, como por exemplo, uma pedra. A literatura védica afirma a natureza divina inerente ao ser humano, e providencia meios e métodos, para manifestar essa divindade.
De acordo com as estimativas de muitos eruditos, os textos védicos devem ter pelo menos 4000 anos. Embora haja muita controvérsia a respeito de quando Vyāsa viveu, deve ter sido antes do século 4 a.C. Um famoso gramático hindu, Pānini, que provavelmente viveu no século 4 a.C., menciona o épico Mahābhārata em um de seus trabalhos. Portanto, Vyāsa, o autor do Mahābhārata, muito provavelmente viveu antes do século 4 a.C.
Além dos Vedas, no hinduísmo existem muitas outras escrituras, mas porque os Vedas são escrituras reveladas, desfrutam de um lugar de honra e são consideradas as mais autênticas. A validade dos textos védicos nunca é questionada, porque suas verdades têm sido repetidamente validadas através das experiências de santos hindus que viveram em épocas diferentes.
Como foi mencionado anteriormente, os Vedas têm quatro partes: Rig-Veda, Sāma-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda. Cada um desses trabalhos consiste de duas partes: Samhitā e Brāhmana. A primeira contém hinos, e a segunda explica esses hinos, instruindo a respeito de quando e como usa-los.
Os Vedas também contém alguns textos altamente filosóficos, conhecidos como Upanishads. Os Upanishads também se chamam Vedānta – o apogeu, ou a culminação do conhecimento. Entre os 108 Upanishads disponíveis hoje, os seguintes são os mais populares: Isha, Kena, Katha, Mundaka, Māndūkya, Aitareya, Taittirīya, Chhāndogya, Prashna, Shvetāshvatara e Brihadāranyaka.
Todas as escrituras hindus, com exceção das Darshanas e Tantras, se encaixam em duas categorias: (1) Vedas e (2) Smritis. As escrituras védicas são a autoridade final. As escrituras pertencentes a categoria smriti, têm somente uma autoridade secundária, e todas as escrituras, exceto os Vedas, pertencem a categoria smriti.
A palavra smriti tem também um significado técnico. Significa, livro de leis, ou, manual de códigos de conduta para os hindus. Entre esses antigos livros de leis, o livro de leis de Manu é o mais conhecido. Yājnavalkya, Baudhāyana, Āpastamba, Vashishtha e Gautama são outros antigos legisladores. O livro de leis mais recente, teve como autor, Raghunandana.
* diagrama – Escrituras do Hinduísmo
Seis diferentes sistemas de filosofia, chamados de Darshanas, foram desenvolvidos por sábios hindus em épocas diferentes. Esses são sistemas filosóficos “religiosos” porque são fundamentados nos Vedas. Também conhecidos como os Seis Sistemas da Filosofia Indiana, esses são:
. Sānkhya, fundado por Kapila
. Pūrva Mīmāmsā, fundado por Jaimini
. Uttara Mīmāmsā, ou Vedānta, fundado por Vyāsa
. Yoga, fundado por Patanjali
. Nyāya, fundado por Gotama
. Vaisheshika, fundado por Kanāda
O sistema filosófico chamado de Vedānta, não deve ser confundido com o outro significado da palavra, os Upanishads.
Todos os autores desses sistemas religio-filosóficos, escreveram tratados originais, usando aforismos concisos que se chamam, em sânscrito, sūtras. Os sūtras, por serem breves e tersos, necessitavam de notas exploratórias e comentários, que foram escritos mais tarde por outros eruditos. O tratado de Vyāsa, que forma a base do sistema Uttara Mīmāmsā, é também conhecido como Vedānta Darshana ou Brahmasūtra. Muitos comentadores escreveram a respeito desse tratado, por exemplo: Shankarāchārya (700 – 740 a.C.), Rāmānujāchārya (1017 – 1137) e Madhvāchārya (1199 – 1278).
As verdades mais profundas das escrituras do hinduísmo, são muito difíceis e de difícil compreensão. Estão alem da capacidade da maioria das pessoas. Por isso, os sábios da Índia, criaram um tipo especial de literatura religiosa, chamada Purānas, para que pudessem apresentar aquelas verdades, de forma interessante e fácil de entender. Nos Purānas , os ensinamentos são apresentados através de estórias e parábolas. Ao todo, hoje existem dezoito Purānas, e entre eles estão o Bhāgavata Purāna, o Skanda Purāna, o Vâyu Purāna, o Padma Purāna, o Mārkandeya Purāna e Agni Purāna. O Chandī, ou Devīmāhātmyam, um popular livro do hinduísmo, é na verdade, parte do Mārkandeya Purāna.
Os hindus podem se orgulhar de dois grandes épicos, o Rāmāyana e o Māhabhārata, que foram compostos por dois sábios, respectivamente, Vālmīki e Vyāsa. Esses dois épicos, que também se chamam Itihāsa, contém muitos ensinamentos das escrituras, lado a lado, com estórias de várias dinastias e clãs. Esses épicos são riquíssimos em seus tesouros literários e em seu conteúdo mitológico. A profusão de ensinamentos morais e espirituais contidos neles, os elevaram ao nível de escrituras. O Bhagavad Gitā, talvez a escritura mais popular do hinduísmo, está incluída no Māhabhārata. Ambos, o Rāmāyana e o Māhabhārata, trazem muitos personagens que são considerados modelos, para o hindu de mente religiosa.
Essa popular escritura hindu é parte do Māhabhārata. Ela é um dialogo entre Srī Krishna, uma encarnação divina, e um príncipe ariano chamado Arjuna. Ao responder as perguntas de seu discípulo Arjuna, Srī Krishna revela muitos excelentes ensinamentos espirituais. Esses ensinamentos são um grande tesouro do hinduísmo. O Bhagavad Gītā contém a maioria dos ensinamentos essenciais dos Upanishads, o que o coloca numa posição semelhante àquela dos Upanishads.
Paralelo as disciplinas védicas, o hinduísmo tem um outro conjunto de disciplinas chamado de Tantras. Nas disciplinas tântricas, Deus é visto como um princípio masculino e feminino, respectivamente, Shiva e Shakti. Shakti é o poder criativo de Shiva. Em termos modernos, Shiva pode ser comparado a energia potencial, e Shakti, a energia cinética. Quando a energia potencial se torna ativa, ela se chama energia cinética. Quando Shiva se torna ativo, Ele se chama Shakti. Da mesma forma, quando Shakti está inativa, Ela se chama Shiva. É Shakti que cria esse mundo. A relação entre Shiva e Shakti, é como a relação entre o fogo e o seu poder de queimar, ou seja, são sempre um, inseparáveis. Contudo, Shakti tem outros nomes, e um deles é Pārvatī.
As escrituras e textos do Tantra, estão geralmente em forma de diálogo entre Shiva e Pārvatī. Nos diálogos em que Shiva é aquele que fala, e Pārvatī é quem escuta os ensinamentos espirituais, os textos se chamam Āgama. Quando Pārvatī faz o papel de instrutora, e Shiva é quem escuta, os textos se chamam Nigama.
O Tantra é um sistema religioso todo abrangente, e é capaz de ajudar as pessoas em todos os níveis do crescimento espiritual. Prescreve disciplinas espirituais adequadas a pessoas de nível cultural mais elevado ao mais inferior.
A literatura Tantra é vasta. Entre os 64 textos proeminentes, podemos citar, Mahānirvāna, Kulasāra, Prapanchasāra, Kulārnava, Rudra Yāmala, Vishnu Yāmala, Brahma Yāmala e o Tantrarāja.
E
Os Shaiva Āgamas estão relacionados aos Tantras. Dos 28 Shaiva Āgamas originais, apenas 20 estão disponíveis hoje.
Os Pancharātra Samhitās são as escrituras de algumas seitas Vaishnava do hinduísmo. Existem 250 textos pertencentes a esses Samhitās. Desses, merecem destaque, o Brihad Brahma, o Īshvara Samhitā e o Jnānāmritasāra Samhitā.
É muito difícil chegar a uma conclusão definitiva no que diz respeito ao lar original dos indo-arianos. Há uma considerável controvérsia entre os eruditos sobre sua origem. Por muitas décadas, arqueólogos, antropólogos, historiadores e filologistas, têm independentemente e em conjunto, tentado descobrir a resposta. Através de suas pesquisas, muitas teorias têm se desenvolvidas, mas ainda assim, não foram capazes de chegar a uma conclusão em comum.
Em geral, acredita-se que os ancestrais dos indo-arianos não eram nativos da Índia, mas haviam migrado de alguma outra região. De acordo com alguns eruditos, tal como Gafurov, os indo-arianos são provenientes da Ásia Central. Já Tilak, diz que os antepassados dos indo-arianos, vieram do Ártico. Bender pensava que, muito provavelmente, eles vieram da região onde os lituânios viveram “por pelo menos cinco mil anos”. Bongard Levin é da opinião de que o lar ancestral dos arianos era a região do sudeste europeu, entre as montanhas Dnieper e os montes Urais. Alguns dizem que a migração dos indo-arianos para a Índia, provavelmente começou por volta do ano 1700 a.C. e continuou até 1200 a.C. Contudo, Swami Vivekananda, um dos maiores expoentes do hinduísmo, acreditava que os indo-arianos eram nativos da Índia, e que não teriam vindo de nenhum outro lugar.
Em tempos antigos, os arianos eram um povo nômade, e ainda não haviam formado uma sociedade urbana. Sua riqueza e sustento dependia principalmente na criação de gado. Eles constantemente levavam seus rebanhos de um pasto para outro, e durante certas estações do ano, os rebanhos precisavam ser protegidos dos estragos causados pelo clima rigoroso. Por isso durante o inverno ou a estação das chuvas, o gado era mantido em abrigos seguros.
Em sânscrito, o abrigo para o gado se chama gotra, e porque existiam em um numero pequeno, muitas famílias indo-arianas eram obrigadas a guardar seus rebanhos nos mesmos abrigos, ou gotras. Como resultado disso, os rebanhos de diferentes famílias se misturavam e assim surgiam disputas que para serem resolvidas, surgiu a necessidade de que supervisores fossem apontados para agir como juízes que dessem veredictos justos.
Esses supervisores eram dotados de grandes virtudes morais e espirituais, e foram apontados como tais, por conta de seus caracteres elevados. Eles chamavam-se gotrapatis, que significa senhor, ou mestre do gotra. Mais tarde, alguns deles foram reconhecidos como almas espiritualmente iluminadas, e entre esses gotrapatis altamente venerados, estão Shāndilya, Bharadvāja, Kāshyapa e outros que são considerados rishis ou sábios.
Quando um ariano de um certo clã ou família, conhecia alguém pertencente a um outro clã ou família ariana, se apresentava usando o nome de seu gotrapati, como por exemplo Shāndilya ou Bharadvāja. Os descendentes dos arianos, hoje chamados de hindus, mantém a mesma tradição e usam o nome do gotrapati para se identificar. Portanto, esperasse que todo hindu se recorde do nome de seu gotra ancestral. Para evitar casamentos consangüíneos, casamentos entre membros do mesmo gotra eram proibidos. Mas, atualmente, depois de passados muitos séculos , esse costume já não é seguido tão estritamente.
e todas as castas eram
tratadas com igualdade
Os indo-arianos se dividiam em quatro castas, ou categorias sociais, conhecidas como o sistema de castas. Originalmente, essa divisão baseava-se em uma “carreira em potencial” ou qualidades inerentes aos indivíduos. Uma pessoa naturalmente dotada de qualidades como a veracidade, a serenidade mental, a não-violência, a compaixão e o não-egoísmo, pertenceria a casta sacerdotal , ou brahmin. Possuidora de grandes virtudes morais e espirituais, tal pessoa era considerada a pessoa certa para ensinar e dar orientação espiritual. Alguém naturalmente dotado de qualidades marciais, era adequado para a casta militar, ou kshatriya. Reis e administradores, geralmente vinham da casta kshatriya. Da mesma forma, uma pessoa com agudeza para os negócios, pertencia a casta dos mercadores, ou vaishya. Todos os outros pertenciam a casta shūdra, que incluía os fazendeiros e artesãos, etc.
* diagrama – O Sistema de Castas
Os
arianos que eram isentos do sistema de castas
e os expulsos de suas
castas, ou intocáveis
Nem todos os arianos aderiam ao sistema de castas. Por exemplo, os monges renunciantes, ou sannyāsins, estavam além das regras das castas, e apesar de não pertencerem a nenhuma, eles eram respeitados por todos. Os não-arianos, e os filhos de arianos que haviam violado as leis da sociedade ariana, no que diz respeito a comida, matrimonio etc. Eram geralmente banidos de suas castas. De acordo com Manu, o legislador mais famoso, “Um homem nascido duas vezes, que mesmo sabendo, come cogumelos, um porco da aldeia, alho, um galo da aldeia, cebolas, ou alho porro, será expulso de sua casta.”
Os que eram banidos, por razões óbvias, não desfrutavam das mesmas posições daqueles pertencentes ao sistema de castas. Tinham uma posição inferior na sociedade ariana, e embora não haja evidência de que tenham sido maltratados ou odiados, muito mais tarde, durante o período de decadência do sistema de castas, os banidos passaram a ser tratados como inferiores, recebendo o nome de “intocáveis”.
O
sistema de castas se deteriorou quando se tornou hereditário
Originalmente todas as castas recebiam igual importância e cada uma era considerada essencial para a sociedade ariana. Mais tarde, com o passar do tempo, surgiram os direitos adquiridos, e as castas que eram originalmente determinadas pelas qualidades e aptidões individuais se tornaram hereditárias, por causa do interesse próprio de pessoas em posições de poder e autoridade, que queriam perpetuar os privilégios sociais baseados nas castas. A noção equivocada de castas “superiores” e “inferiores” resultou na degeneração do sistema de castas.
Os brahmin que formavam a educada classe sacerdotal, tradicionalmente não eram ricos, embora ocupassem posições de respeito e honra na sociedade. Os kshatriyas, que pertenciam a segunda classe mais elevada, eram reis, administradores e guerreiros, desfrutando de riqueza e do poder. Os vaishyas, mesmo que nunca pudessem se tornar sacerdotes ou oficiais militares, podiam encontrar satisfação com a riqueza proveniente do comércio. Já os shūdras, reduzidos a casta inferior e com muitos privilégios negados, inclusive a educação védica e outros tipos de educação elevada, foram os que mais sofreram. Essa disparidade de privilégios corrompeu o sistema de castas, o que eventualmente deu origem ao ciúme, ao ódio e ao conflito. Nessas circunstâncias, a condição dos intocáveis, ou banidos, tornou-se ainda pior.
e ao sistema de castas
Com o passar dos séculos, a sociedade ariana atravessou muitas mudanças. Começando em 327 a.C. a Índia foi repetidamente invadida por muitos agressores estrangeiros, incluindo os gregos, os hunos, os árabes, os turcos, os afegãos, os persas, os mongóis, os portugueses, os franceses e os britânicos. Do século 13 em diante, os muçulmanos dominaram grande parte da Índia por aproximadamente 600 anos, até que os britânicos tomaram o poder no final do século 18. A Índia se livrou do domínio britânico em 1947, tornando-se uma nação independente. Todas essas invasões, os muitos anos de domínio estrangeiro e a passagem do tempo, deixaram seus impactos na sociedade hindu, que mudou, e com ela, o sistema de castas.
Durante o domínio britânico, os brahmins foram os primeiros a se beneficiar com a educação inglesa. Ao deixar suas profissões tradicionais, o sacerdócio e o ensino, baseadas em sua castas, muitos tornaram-se médicos, engenheiros, homens de negócio, servidores do governo e advogados. Os brahmins ingressaram até mesmo no serviço militar. Os membros das outras castas mais elevadas que tiraram vantagem da educação inglesa, também usufruíram de oportunidades semelhantes. Já os membros da casta mais baixa e os intocáveis, em suas desvantagens econômicas e culturais permaneceram, mais ou menos, na mesma condição.
Mesmo que o caráter original do sistema de castas tenha se tornado irreconhecível, o sentimento de superioridade de uma casta sobre a outra permaneceu em algumas partes da Índia.
Desde que a Índia tornou-se uma nação independente em 1947, o governo da Índia tem dado a todos os seus cidadãos, independentemente de casta, cor, gênero e religião, igual acesso a educação elevada e a outras facilidades que são providas pelo governo. Bolsas de estudo e ajudas financeiras são dadas a membros das classes menos privilegiadas, que assim são encorajadas a se educarem. Em 1949, o governo aprovou uma lei banindo a intocabilidade.
Através dos anos, muitos santos hindus têm veementemente desaprovado o decadente sistema de castas, até mesmo não o reconhecendo. Por exemplo, Shrī Chaitanya e Shrī Rāmakrishna ensinaram a seus seguidores que amantes de Deus não pertencem a nenhuma casta. Muitos reformadores sociais também condenaram esse sistema de castas degenerado. Mahātma Gāndhī (1869 – 1948), o conhecido libertador e líder político da Índia, era muito critico dos males de tal sistema.
* ilustração - Mahātma Gāndhī
* ilustração - Shrī Chaitanya
As pessoas inteligentes da Índia de hoje, unanimemente condenam o já severamente enfraquecido, mas ainda assim persistente, espectro do sistema de castas. Alguns políticos e outras pessoas, por interesse próprio, ainda tentam manter o sistema vivo, promovendo ódio e conflitos entre as castas. Todavia, seus esforços estão fadados a falhar, porque cada vez mais pessoas estão se educando e já não acreditam nesse sistema. A educação das massas e o melhoramento da qualidade de vida, somadas a uma educação religiosa saudável, irão finalmente erradicar esse sistema decadente. Como prova disso, ultimamente alguns casamentos têm acontecido entre membros de castas diferentes, pessoas educadas e relativamente ricas, parte da população urbana da índia.
Enquanto a Índia tem seu sistema de castas, a Europa tem seu “sistema de classes”, e os Estados Unidos têm seus próprios níveis sociais baseados na riqueza. Swami Vivekananda costumava dizer que qualquer tentativa de remover o sistema de castas pela força, apenas causaria a substituição por um sistema similar. De acordo com o Swami Vivekananda, esforços deveriam ser feitos para elevar os nível educacional, cultural e econômico dos hindus da assim chamada casta mais baixa, para aquele das assim chamadas castas mais elevadas. Trazer os Brahmins para baixo, para o nível da culturalmente desvantajada classe mais baixa não seria uma solução saudável. Apenas causaria uma maior degradação da sociedade hindu.
OS QUATRO ESTÁGIOS DA VIDA ARIANA
Na antigüidade, esperava-se que os hindus, então conhecidos como arianos, passassem por quatro estágios da vida ariana:
. Brahmacharya – o estágio do estudante
. Gārhasthya – o estágio do chefe de família
. Vānaprasthya – o estágio do afastamento
. Sannyāsa – o estágio do monge ou asceta
* diagrama – Os quatros estágios da vida Indo-ariana
Brahmacharya
– o primeiro estágio da antiga vida ariana
Para ser educado, todo menino ariano entre sete e onze anos de idade, tinha que ir viver no lar de seu mestre, onde ele permanecia até que sua educação houvesse terminado. Normalmente a educação se completava num período de doze anos. Durante esse período, exigia-se a prática do completo celibato e a assimilação de virtudes nobres, tanto quanto a educação formal. Uma grande ênfase era dada ao desenvolvimento do caráter.
Para o estudante, o modelo a ser seguido era o seu mestre. Dotado de muitas virtudes nobres, morais e espirituais, esse mestre não dava apenas educação secular, mas era também seu guia espiritual. Somados ao estudo dos vedas, estudava-se também gramática, poesia, ética, moral, matemática e astronomia. Ainda assim, os estudantes aprendiam que o objetivo final da educação era a liberação através da visão de Deus.
O mestre via o estudante como se fosse o seu próprio filho, e dava-lhe o mesmo tipo de amor e afeto. O estudante também considerava a casa do mestre como sendo a sua própria, e ajudava nas várias tarefas domésticas. O estudante era chamado de antevāsin e o mestre era chamado de guru ou ,em sânscrito, āchārya. Esse período de estudos era o primeiro estágio da vida ariana.
O relacionamento entre mestre e estudante não se baseava em dinheiro, e nenhum pagamento ou salário era aceito. Aceitar qualquer remuneração por qualquer tipo de ensinamento, seja secular ou espiritual, era contrário a tradição ariana. O mestre era com freqüência um homem de família que vivia uma vida simples, livre de luxos. Na maioria das vezes, as poucas necessidades que tinha, eram supridas por ocasionais presentes do rei. Os estudantes não eram um fardo financeiro para seu mestre. Era costumeiro pedir comida na vizinhança, vestidos com peles de veado ou casca de árvore processada, cinto de grama e cabelo emaranhado. O mestre normalmente possuía suas próprias vacas, que proviam uma quantidade suficiente de leite nutritivo.
Ao completar sua educação, o estudante era conhecido como um snātaka, que significa “aquele que se banha”. Essa palavra implica que o estudante foi banhado com sucesso nas águas do conhecimento. Na linguagem atual, tornar-se um snātaka seria como graduar-se na universidade. Depois da graduação, o estudante presenteava o mestre demonstrando seu respeito e gratidão. Num encontro de despedida, o mestre fazia um discurso final aos estudantes. O Taittirīya Upanishad, uma porção dos Vedas, contém um discurso de despedida proferido por um mestre a seus estudantes que partiam. Esse discurso expressa um pouco dos deveres e ideais dos estudantes do período védico:
Deixe que a sua conduta seja marcada pela
ação correta,
incluindo estudos e ensinamentos das
escrituras;
através da veracidade na palavra, na ação
e no pensamento;
através da abnegação e da prática da
austeridade;
através do equilíbrio e do autocontrole;
através da execução dos deveres diários
da vida,
com um coração alegre e uma mente
desapegada.
Fale a verdade. Faça seu dever.
Não negligencie o estudo das escrituras.
Não rompa o cordão de descendência.
Não desvie-se da verdade, não afaste-se
do caminho do bem.
Reverencie a grandeza.
Que a sua mãe seja um deus para você;
que o seu pai seja um deus para você;
que o seu mestre seja um deus para você;
e que o seu convidado, também seja um
deus para você.
Aja apenas de forma pura.
Sempre demonstre reverência ao que é
grandioso.
O que você der aos outros,
dê com amor e reverência.
Presentes devem ser dados em abundância,
com felicidade, humildade e compaixão.
Se a qualquer momento houver dúvida no
que diz respeito a uma conduta correta,
siga a prática das grandes almas,
que são sinceras, de bom julgamento, e
devotadas a verdade.
Assim, sempre conduzam a si próprios.
Essa é a ordem, esse é o ensinamento,
e esse é o comando das escrituras.
Depois dessa graduação, os estudantes retornavam a seus lares, se casavam e ingressavam no segundo estágio da vida ariana – o estágio do chefe de família.
Na antigüidade, meninas também residiam com suas mestras e recebiam educação similar aquela dos meninos. Mais tarde, conforme a sociedade se enrijecia, a educação em casa tornou-se o costume para as meninas, que passaram então a ser educadas por seus parentes homens. O costume de pedir comida, para elas, ficou confinado a seus próprios lares, e as vestimentas, como a pele de veado, a casca de árvore e os cabelos emaranhados foram banidas. Não obstante, em torno do século 5 a.C. haviam muitas mestras desfrutando das mesmas posições de honra que os mestres. Entre as grandes eruditas do período védico estão Gārgī, a filha de Vāchaknu e Pathyasvatī, que por sua erudição, recebeu o titulo de Vāch, que significa “a deusa da sabedoria”. No início do período védico também haviam algumas sábias, por exemplo, Vishvavārā, Ghoshā e Apālā. As moças no período védico também aprendiam canto, dança, a execução de instrumentos musicais, pintura, costura, poesia, carpintaria, confecção de guirlandas e outras belas artes.
Hoje em dia essa tradição já não é seguida, e os estudantes não vivem e educam-se no lar de seus mestres. Já não se vestem com peles de veado, cascas de árvore e cintos de grama, ou têm os cabelos emaranhados. Já não pedi-se comida de porta em porta. Atualmente, o sistema educacional da Índia é exatamente como o sistema educacional de qualquer outro país do ocidente. Os mestres nas escolas e universidades trabalham por um salário como fazem os seus pares nos países ocidentais. Dão educação secular a seus estudantes, a sociedade já não se opõe ao recebimento de salário.
Contudo, a tradição de não aceitar dinheiro por educação espiritual, ainda é honrada na Índia, e qualquer mestre espiritual, ou homem santo que viola essa regra, apenas traz desgraça para essa honrada tradição hindu. Qualquer mudança que tenha ocorrido no antigo sistema educacional, deve muito aos quase duzentos anos de domínio britânico na índia, e que acabou em 1947. Hoje, moças hindus freqüentam escolas e universidades de estilo ocidental, e algumas delas mistas. Assim como os rapazes, as moças estudam humanidades, ciências, engenharia, medicina e artesanatos. Raramente, meninos ou meninas estudam os Vedas. Essa tradição perdeu importância, mas ainda assim, os hindus continuam indo aos templos e observando os rituais de suas religiões durante os muitos festivais religiosos que são celebrados todos os anos.
Gārhasthya – o segundo estágio da
antiga vida ariana
Esse estágio de vida iniciou-se com o casamento. O estudante, ao retornar a sua casa, com a permissão de seu mestre, casa-se com uma moça de sua casta, mas não da mesma grota. Depois do casamento, ele vive a vida de um chefe de família, seguindo os preceitos das escrituras.
Entre outras coisas, ele deve executar a adoração ritual diária, chamada de agnihotra , quando o fogo é usado como um símbolo de Deus. O regular estudo dos vedas, um sustento honesto, a prática da hospitalidade, a educação dos filhos, ser caridoso para com os pobres, honrar os mais idosos e cuidar dos pais e parentes próximos. De acordo com a sábio Manu, o famoso legislador da Índia antiga, é dever do chefe de família, honrar e respeitar as mulheres, e agradá-las com bons presentes por ocasião dos feriados e festivais. Nas palavras do próprio Manu, “Onde o relacionamento com o feminino é um de tristeza, toda a família perece; mas a família que é feliz sempre prospera.”
Esperava-se que marido e mulher fossem fiéis, pois criar em casa uma atmosfera de felicidade era um dever. Manu disse: “Naquela família onde o marido está feliz com a esposa e a esposa está feliz com marido, com certeza a felicidade será duradoura.” Além do mais, tal família proporcionava um ambiente ideal para as crianças. Uma grande importância era dada a uma educação nobre para as crianças.
A esposa era conhecida como ardhānginī ( lit. tendo meio corpo) no sentido de que ela e seu marido eram duas metades que constituíam o corpo do casamento ideal. Ela também era chamada de sahadharminī, que significa “a parceira na vida espiritual”. Esperava-se que marido e mulher ajudassem um ao outro em seu crescimento espiritual. Um membro da sociedade ariana, independentemente de seu estágio de vida, recordava-se sempre de que o objetivo último da vida humana é a realização de Deus.
Um viúvo podia casar-se novamente, mas uma viúva deveria praticar o celibato e viver como uma monja. Aos homens foi permitida a prática da poligamia, e esse padrão duplo ,existia porque a sociedade ariana era dominada por homens. O divórcio não era permitido, o casamento era considerado um sacramento e tinha a intenção de durar por toda a vida dos parceiros.
Hoje no hinduísmo, o divórcio é permitido por uma lei aprovada em 1955. Também foi aprovada, durante o domínio britânico, através dos esforços do grande reformista e erudito hindu do século 19, Īshvar Chandra Vidyāsāgar (1820 - 1891), uma lei que permite que viúvas casem-se novamente. Apesar de todas essas leis beneficiando a mulher hindu, muito poucos divórcios ou casamentos de viúvas acontecem na Índia, exceto nos níveis cultural e econômico mais baixos do país. Um número muito pequeno desses casos também têm acontecido nas grandes cidades, mas são uma exceção a regra. Apesar da legalização do divórcio e do casamento de viúvas, algum estigma associado a eles ainda persiste, e tais reformas ainda não foram totalmente aprovadas ou aceitas pela vasta maioria dos hindus. O governo da Índia aprovou também uma lei que bane a poligamia, no entanto, a população muçulmana é isenta do seu cumprimento.
Vânaprasthya – o terceiro estágio da antiga vida ariana
De acordo com o legislador Manu, quando um chefe de família “notava sua pele enrugada, e seus cabelos brancos”, havia chegado o momento de ingressar no terceiro estágio da vida. Ele então se retirava para a floresta, “deixando sua esposa aos cuidados de seus filhos, ou acompanhado por ela”. Ele vivia em uma simples cabana, vestia-se com cascas de árvores, peles de animais ou farrapos, regularmente estudava os Vedas, e executava vários rituais de adoração. Sua comida era principalmente vegetais, flores, frutos e raízes cozidas ou cruas. Ele tinha uma longa barba, não cortava os cabelos ou as unhas. Em outras palavras, vivia uma vida de grande simplicidade e austeridade religiosa para assim alcançar a meta espiritual de sua vida. Esse estágio da vida era obviamente uma preparação para o quarto estágio da vida ariana, o estágio de um monge, ou asceta.
Com o passar do tempo, os hindus já não seguem essa antiga tradição. Mas ainda assim, com a aproximação da velhice, quase todo hindu começa a recordar-se das maneiras de seus ancestrais. Mesmo que não vivam na floresta, tornam-se pensativos e começam a mostrar sinais genuínos de interesse espiritual, seja para que deixem este mundo de forma digna, ou para que consigam “liberação espiritual”. Com esse propósito, muitos homens e mulheres se mudam para locais santos de peregrinação, como Vārānasī, e vivem uma vida de reclusão, preces e adoração.
Sannyāsa
– o quarto estágio da antiga vida ariana
Esse estágio da vida ariana era uma transição natural da vida afastada para a vida de um asceta, ou monge. De acordo com Baudhāyana, um legislador da antiga Índia, qualquer um dos seguintes qualificava-se para ingressar nesse estágio da vida: (1) um estudante que acaba de completar o seu período de estudante e sente um impulso interior para renunciar o mundo, (2) um chefe de família sem filhos, (3) um viúvo, (4) um andarilho e (5) um eremita. Qualquer pessoa com 70 anos de idade, cujos filhos já estão estabelecidos na vida, também estaria apta a renunciar o mundo e tornar-se um monge.
Um asceta, ou monge, regularmente raspava sua cabeça, cortava as unhas e sustentava seu corpo, todos os dias pedindo comida de no máximo sete casas. Dormia debaixo de uma árvore, em um templo ou casa abandonada. Constantemente vagava de um lugar a outro, carregando um bastão, um pote de esmolas e uma vasilha para a água, não mais vestindo as roupas brancas de um chefe de família. Também não permanecia em um lugar por mais de alguns poucos dias, e estava exempto da performance do agnihotra e outros rituais obrigatórios, exigidos dos arianos pertencentes a outros estágios da vida. Contudo, ele regularmente deveria estudar os Vedas.
De acordo com o ideal monástico, um monge pertence ao mundo inteiro. Consequentemente, ele rompeu todos os laços com sua família e tomou votos de não-violência, veracidade, não roubar, abstinência e tolerância. Ele obedece seu mestre espiritual abstendo-se da raiva, evitando imprudência em pensamento e ação, e seguindo regras de limpeza e pureza no que diz respeito a comida. Deveria pensar em si mesmo como sendo a esplendida alma, ou ātman, e não um corpo. Sua meta era tornar-se uma alma auto-realizada ao realizar sua identidade com Brahman (Deus).
Os monges hindus de hoje, mais ou menos seguem aquele mesmo antigo ideal de sannyāsa, ou monasticismo. Contudo, o monasticismo organizado foi introduzido ao mundo por Gautama Buddha a aproximadamente 2500 anos atrás, e mais tarde foi adotado pelo hinduísmo.
Shankara, o grande santo hindu e filósofo da Índia do século 8, fundou uma ordem monástica conhecida como ordem Dashnāmī. Essa ordem não é tão bem organizada e regimental como a ordem monástica budista, embora através dos séculos tenha exercido um papel muito importante no hinduísmo. Seguindo a antiga e ortodoxa tradição hindu, ela enfatiza principalmente o crescimento espiritual individual, acompanhado de estudos e ensinamentos das escrituras.
A Missão Rāmakrishna, uma bem conhecida ordem monástica, fundada numa linha moderna por Swāmi Vivekānānda na virada do século 20, encoraja seus membros a engajar-se em várias atividades filantrópicas e humanitárias, lado a lado com estudos das escrituras e práticas espirituais. O seu ideal é servir ao homem como Deus e também se esforçar pela própria iluminação espiritual. A Missão Rāmakrishna é hoje a maior e mais bem organizada ordem monástica hindu na Índia. Essa ordem monástica, apesar de ser uma organização independente, deve sua linhagem a Shankara, e seus monges pertencem por tradição ao ramo Purī da ordem Dashnāmī.
No hinduísmo atual, como em qualquer outra antiga religião, existem muitas denominações e seitas. Muitas dessas seitas têm os seus próprios tipos de monasticismo baseados no antigo ideal védico de ascetismo.
V
HINDUÍSMO – UM MODO DE VIDA
Muitos eruditos têm corretamente descrito o hinduísmo como um modo de vida. Todos os importantes eventos da vida hindu tem de ser santificados através da observância religiosa. Esse ritual de santificação ou sacramento, em sânscrito chama-se samskāra. Existem dez desses samskāras, que dizem respeito ao (1) casamento, (2) a consumação do casamento, (3) as preces para o bem estar de uma mulher grávida, (4) o nascimento de uma criança, (5) dar nome ao bebê, (6) dar ao bebê o seu primeiro alimento sólido, (7) o primeiro corte de cabelo do bebê, (8) a introdução da criança a seus estudos, (9) a Upanayana ou, cerimônia do cordão sagrado, e (10) o retorno do estudante para casa ao completar seus estudos no lar do mestre. Para todos esses eventos, um ritual de adoração específico tem de ser executado.
Fora os acima mencionados, existem rituais religiosos prescritos para (1) o funeral dos que partiram, (2) honras pós funerárias para os que partiram (a cerimônia da Shrāddha), (3) a construção de uma nova casa, (4) entrar numa casa nova, (5) iniciação espiritual, e (6) a chegada das meninas à puberdade.
Hoje, com a passagem do tempo e por causa dos diferentes estilos de vida dos hindus, nem todos os samskāras mencionados acima são seguidos com tanto rigor, e em circunstancias especiais tais lapsos são até mesmo perdoados pelo hinduísmo. Por exemplo, as escrituras dizem que um hindu não precisa ser estrito na observância das injunções e proibições das escrituras quando em um terra estrangeira, se tais circunstancias não forem favoráveis a tais observâncias.
CASAMENTOS HINDUS – ANTIGOS & MODERNOS
A sociedade hindu é muito mais orientada para a família do que as sociedades no ocidente. O tamanho normal de uma típica família hindu é geralmente muito maior do que uma família no ocidente. Os filhos casados vivem com seus pais, irmãos, irmãs solteiras, e também com os avós. As meninas, quando se casam, vão viver com a família do marido. Existem muito poucas famílias nucleares na sociedade hindu.
Manter a boa imagem da família é um dos principais deveres de seus membros. A respeitabilidade de uma família hindu é determinada pelas virtudes morais e pelo nível cultural de seus membros, não necessariamente por sua riqueza, e esperasse que todos os membros de uma família sustentem ou elevem a boa imagem da família, assim preservando o seu nível moral e cultural.
Um evento importante, como por exemplo o casamento de um membro da família, está fadado a ter um impacto em toda a família. Ninguém deveria entrar em um relacionamento matrimonial que vá de alguma forma depreciar a imagem da família. O casamento hindu não é simplesmente um relacionamento entre marido e mulher; ele também inclui um relacionamento próximo e duradouro entre os membros de ambas as famílias. As vezes diz-se, e não tão incorretamente, que um casamento hindu é mais entre duas famílias do que entre duas pessoas.
Em geral, casamentos hindus são arranjados pelos pais ou tutores dos jovens, e nos raros casos em que os jovens escolhem seus pares, deve-se obter a aprovação dos pais ou tutores. Caso contrário, isso pode causar muita dor e tristeza para ambas as famílias envolvidas. Os pais, por terem mais experiência, geralmente são capazes de selecionar um bom parceiro ou parceira para o casamento de seu filho ou de sua filha. Eles fazem uma detalhada investigação, não só a respeito do futuro genro ou da futura nora, mas também a respeito das famílias envolvidas. Durante as negociações, o rapaz e a moça têm permissão de ver um ao outro apenas uma ou duas vezes, e na presença de membros da família. Se eles se gostam e dão seu consentimento, então o casamento é arranjado pelos pais ou tutores. O namoro antes do casamento e o livre misturar-se entre meninos e meninas, o que acontece no ocidente, não é permitido na sociedade hindu. De acordo com as estatísticas disponíveis, esses casamentos arranjados, são muitas vezes mais harmoniosos e estáveis do que os casamentos onde os parceiros se escolhem.
Na antigüidade, aconteciam oito tipos de casamentos na sociedade ariana:
. No casamento Brāhma, o pai ou tutor da noiva entregava sua filha “enfeitada com roupas e jóias caras” a um noivo cuidadosamente escolhido, bem versado nos Vedas e dotado de qualidades nobres. O pai da noiva também honrava o noivo ao oferecer-lhe uma tradicional bebida feita com mel.
. No casamento Daiva, a filha, “devidamente ornamentada”, era entregue a um sacerdote em sinal de gratidão, para a performance de algum importante ritual de adoração. Tal casamento, contudo, era raro.
. No casamento Ārsha, o pai da noiva era presenteado pelo noivo com uma vaca leiteira e um touro reprodutor. Esses presentes, eram permitidos pelos sagrados livros de leis, era uma prova de respeito - não um dote.
. No casamento Prājāpatya, o pai da noiva entregava sua filha ao noivo com a bênção tradicional: “Que ambos cumpram seus deveres juntos”. O noivo também era honrado com o oferecimento da tradicional bebida a base de mel.
. No casamento Gāndharva, o noivo e a noiva se casavam em segredo, e sem o conhecimento de seus pais ou tutores.
. No casamento Āsura, o noivo voluntariamente dava à noiva e à seus parentes, tanta riqueza o quanto lhe fosse possível. Ele então recebia a noiva como esposa.
. No casamento Rākshasa, a menina era forçosamente levada de sua família e convencida a se casar.
. No casamento Paishācha, uma pessoa se casava com uma moça que foi seduzida enquanto dormia, enquanto estava intoxicada ou insana.
Entre todos esses casamentos, o casamento Brāhma era considerado superior aos outros. O legislador Manu proibiu os casamentos Āsura e Paishācha, e os casamentos Gāndharva e Rākshasa eram também considerados inferiores porque eram motivados por impulsos de luxúria. Apenas os kshatriyas tinham permissão para tais casamentos, pois durante o tempo de Manu, os kshatriyas eram reis e guerreiros, e consideravam o casamento Rākshasa como sendo um ato de bravura. Para capturar uma moça, os kshatriyas tinham que lutar com os parentes dela e arriscar suas vidas para casar-se com a moça que haviam escolhido. Parece que os kshatriyas, mais do que os outros, tinham casamentos Gāndharva. Por outro lado, era o dever dos reis, preservar as leis que governavam a sociedade, e Manu obviamente escolheu o caminho de menos resistência, pois não queria ir contra os reis que eram kshatriyas.
Hoje em dia, os hindus praticam o casamento Brāhma. Dar e receber um dote pelo casamento é fortemente condenado por vários sábios e escrituras do hinduísmo. Por exemplo, antigos livros de leis tais como o Āpastamba Smriti e Manu Smriti, as escrituras Nārada Purāna, e sábios como Sanatkumāra, condenam veementemente o sistema de dotes. Ainda assim, hoje, em certas partes da Índia, os pais da noiva são pressionados pela família do noivo a pagar um dote pelo casamento de sua filha. Tal prática, que viola o que é ditado pelos santos e pelas escrituras, se tornou um mal social. Se outros esforços falharem, idealistas e jovens homens e mulheres hindus, devem se adiantar e começar um movimento para erradicar esse mal.
O casamento hindu consiste de cinco importantes cerimônias:
. Vāgdāna – o contrato verbal entre os pais ou tutores, a respeito do casamento do rapaz e da moça.
. Kanyā Sampradāna – o pai ou tutor da noiva a entrega ao noivo.
. Varana – a recepção do noivo e da noiva.
. Pānigrahana – o dar as mãos ritualístico entre noivo e noiva.
. Saptapadī – o ritual de andar sete passos pelo noivo e pela noiva.
Todo o procedimento do casamento é um elaborado ritual religioso que consiste em jejum, preces, adoração, e algumas festividades. A troca de anéis e guirlandas é também parte do ritual do casamento hindu. O ritual do casamento começa com a cerimônia do Vāgdāna e termina com a cerimônia do Saptapadī. O casamento geralmente acontece na casa da noiva. Depois do casamento, a noiva vai para a casa dos pais do noivo, onde outros rituais religiosos conectados com o casamento acontecem. Não existe lua de mel num casamento hindu. Durante essas cerimônias, muitos amigos e parentes são convidados e a eles são oferecidos abundantes banquetes em ambos os lares. A noiva é geralmente, generosamente presenteada pelos convidados e pelos parentes.
Diferentes prescrições foram dadas pelas escrituras e pelos livros de leis no que diz respeito a idade apropriada para o casamento. De acordo com uma delas, o noivo deveria ter duas vezes a idade da noiva, e de acordo com outra, o noivo deveria ter vinte e cinco anos e a noiva dezesseis anos. O casamento de um rapaz abaixo de vinte e um anos não era recomendado pelas escrituras. Hoje, essas antigas regras não são seguidas estritamente pelos hindus.
Atualmente, um típico rapaz hindu que vive numa cidade, casa-se provavelmente entre as idades de 25 e 30. Talvez não pense em casamento até que tenha uma renda confortável, e esperasse que case-se com uma moça da sua própria casta, mas não necessariamente da mesma gotra. Ela muito provavelmente será mais jovem do que ele, de preferência de nível financeiro, cultural e educacional similares aos dele.
Nas áreas rurais, entretanto, filhos de fazendeiros e proprietários de terras casam-se relativamente jovens. Há três ou quatro gerações, muitos meninos e meninas nas aldeias, casavam-se antes de atingir a puberdade. Tais casamentos infantis eram mais tarde consumados através de uma cerimônia religiosa quando os meninos e meninas tornavam-se adultos. Contudo, esses casamentos infantis já foram legalmente banidos na Índia há muitos anos.
Embora os principais rituais do casamento hindu sejam geralmente seguidos em toda parte, rituais secundários conectados com o casamento podem diferir de um lugar para outro. Tais variações dependem dos costumes de diferentes locais e das tradições familiares. Os hindus de certas seitas menores e aqueles pertencentes a uma faixa cultural e econômica inferior na sociedade, seguem versões relativamente simplificadas do casamento hindu.
Os sacerdotes são geralmente indicados para conduzir casamentos hindus tradicionais. Os casamentos oficiados por sacerdotes são considerados sacramentos, e a lei hindu não exige que sejam registrados. Entretanto, em algumas cidades, ultimamente um pequeno número de casamentos registrados têm acontecido, conduzidos por juízes. Esses casamentos são geralmente entre membros de castas diferentes, ou casamentos que não seriam facilmente aprovados pela sociedade hindu.
Durante o período védico, existia provisão para que viúvas virgens pudessem se casar novamente, mas não existia provisão para casos de divórcio. O casamento hindu é um compromisso para toda a vida – um sacramento que jamais deve ser quebrado pela separação. Sua fundação é a castidade, a fidelidade e a confiança mutua entre marido e mulher. Mesmo assim, embora aconteçam muito poucos divórcios na sociedade hindu, o divórcio foi legalizado através da lei do casamento hindu de 1955, que foi aprovada pelo parlamento indiano. A vasta maioria dos hindus ainda não aprovou tal reforma completamente. Indulgir em divórcio está fadado a manchar a imagem de qualquer respeitável família hindu.
Mesmo que permitido por lei, viúvas com filhos raramente se casam novamente. Uma mãe hindu é altamente adorada e amada por seus filhos. Para eles, ela é a incarnação da castidade e da pureza, e casar-se novamente seria um terrível choque. As lendas e a história hindu estão cheias de estórias sobre ideais mulheres hindus que envenenavam-se ou pulavam no fogo para que não perdessem sua pureza e castidade corporal. Quando uma mulher fica viúva, a família de seu marido ou a sua própria família se dispõe a cuidar dela e de seus filhos, e ela de forma alguma sente-se desamparada ou abandonada por seus parentes.
OS FUNERAIS HINDUS
Os hindus geralmente cremam seus mortos. O corpo do falecido ganha um banho e é vestido com roupas novas. Pasta de sândalo é aplicada no corpo que é então enfeitado com flores e guirlandas. Um pouco de pó de ouro é também espalhado em diferentes partes do rosto e do corpo. Após alguns cantos de purificação e rituais de adoração, o corpo é colocado na pira funerária, com a cabeça para o norte ou para o sul. Um parente próximo, geralmente o filho mais velho, acende uma tocha e caminha ao redor da pira enquanto recita uma prece pelo bem estar da alma que partiu, depois de tocar o corpo com a tocha, ele acende a pira funerária. Em algumas grandes cidades indianas, os corpos são cremados em crematórios modernos, e mesmo é verdade para os hindus que vivem no ocidente. As cinzas são mais tarde colocadas num rio sagrado ou no mar, e como todos os rios eventualmente desembocam no mar, o mar é considerado muito sagrado.
Normalmente, o corpo de um santo hindu não é cremado. Ao invés é enterrado ou imerso na água. Quando imerso na água, o corpo é firmemente amarrado à uma pedra longa e plana e imerso na parte mais profunda de um rio sagrado enquanto as escrituras estão sendo recitadas em voz alta.
No hinduísmo, quanto antes for o funeral, mais benéfico é para a alma que partiu. A alma provavelmente está apegada ao corpo que ficou para traz, e tal apego pode temporariamente prender essa alma à terra. Quanto antes a cremação, mais livre está a alma de tal apego.
VI
A SOCIEDADE HINDU HOJE EM DIA
A ESTRUTURA FAMILIAR
A sociedade hindu atual é muito diferente da sociedade hindu do período védico. Contudo, algumas das antigas tradições continuam sendo parcialmente seguidas ou de forma modificada. Os hindus ‘já não passam pelos quatro estágios de vida como os seus ancestrais faziam. Depois do estágio de estudante, com algumas exceções, um hindu começa o estágio de um chefe de família e nele permanece até a morte. Ele já não passa pelos estágios de afastamento e ascetismo.
Aproximadamente noventa porcento das pessoas na Índia vivem em aldeias. As pessoas da Índia rural dependem principalmente da agricultura para o seu sustento. Até mesmo a duas gerações passadas, a maioria dos hindus vivia em grandes famílias estendidas. Os filhos casados viviam com seus pais, irmãos, irmãs solteiras, tios, tias, primos, sobrinhos, sobrinhas, e avós. A produção da fazenda geralmente alimentava famílias grandes assim. Hoje, por razoes econômicas e populacionais, esse sistema de grandes famílias vem se transformando e dando espaço para famílias menores – embora a tradição de que filhos casados vivam com seus pais, irmãos e irmãs solteiras é ainda seguido pelos hindus.
Como na maioria dos casos, as fazendas já não são capazes de sustentar o sempre crescente número de famílias, algumas famílias menores têm migrado para as cidades. O resultado tem sido a gradativa formação de núcleos familiares básicos nas sociedades urbanas, apesar do número ainda ser pequeno.
Uma observação superficial pode dar a impressão de que a família hindu é dominada pelo homem. O pai, que geralmente sustenta a família, parece ser uma figura mais autoritária, e os filhos têm grande respeito por ele, pois ele é o disciplinador da família. Ainda assim, é a mãe que realmente conduz a família através de seu amor, bondade e sutis persuasões. Para o filho hindu, a posição da mãe é a mais elevada e ela é o próprio emblema da pureza. O filho jamais tolerará qualquer indignidade, de quem quer que seja, para com a sua mãe, ou qualquer insulto a seu pai.
Todos os membros da sociedade hindu são treinados para sustentar uma imagem positiva da família dele ou dela. Meninos e meninas hindus aprendem a manter a pureza de seus corpos até que se casem. O livre misturar-se entre meninos e meninas não é permitido, e não existe namoro na sociedade hindu.
Nessa sociedade, o relacionamento entre irmãos e irmãs é muito próximo. Ambos, irmãos e irmãs, sempre que necessário, fazem grandes sacrifícios um pelo o outro. Se a mãe morre, a irmã mais velha se torna uma espécie de mãe para os irmãos e irmãs mais jovens, e se o pai morre, o irmão mais velho se torna uma espécie de pai para os irmãos e irmãs mais jovens. Existem muitos casos de irmãos mais velhos, que por ocasião da morte prematura de seus pais, passaram a cuidar de toda a família por muitos anos, gastando todas as suas rendas com eles sem pensar no próprio interesse ou conforto. Homens assim são altamente adorados pela sociedade hindu.
Entretanto, não devemos supor que não exista egoísmo na sociedade hindu. O egoísmo é universal e existe também na sociedade hindu. Embora o sistema de valores hindu o condene veementemente. Por exemplo, um filho com uma renda confortável que não cuida das pessoas mais velhas da família ou de seus pais que não têm uma condição financeira tão boa, é considerado pela sociedade, equivalente a um animal. Na sociedade hindu, o dinheiro, não necessariamente traz respeitabilidade. O que gera respeitabilidade são as qualidades nobres e o nível cultural e educacional de uma pessoa.
O TRATAMENTO DAS CRIANÇAS NA SOCIEDADE HINDU
As crianças que crescem numa típica família hindu, com seus avós, tios e tias, têm uma vantagem especial. Eles nunca estão necessitados de amor genuíno e atenção. Essas crianças têm a sorte de não estar a mercê de babás questionáveis que trabalham por um pagamento. Tais crianças desenvolvem mentes mais saudáveis como resultado de ter crescido em um ambiente de amor e afeição. Além do mais, elas aprendem muitas tradições valiosas de seus avós. Em uma família grande, a criança aprende a ajustar-se aos outros membros, aprende a compartilhar e sacrificar-se pelos outros. Esse treinamento ajuda a criança imensamente, não só em sua infância, mas também quando ela cresce. Em alguns núcleos familiares básicos da Índia urbana, onde os pai e mãe têm que trabalhar devido a razões econômicas, as crianças são privadas de tais vantagens.
A sociedade hindu respeita os seus membros mais velhos. As crianças hindus aprendem a obedecer e respeitar os mais velhos. Responder aos pais e pessoas mais velhas desrespeitosamente é considerado um comportamento não civilizado e tal comportamento traz desgraça para toda a família.
Através das lendas e épicos religiosos do hinduísmo, as crianças familiarizam-se com modelos de moralidade, de ética e espiritualidade – tais como Rāma, Prahlāda, Nachiketā, Sītā, Sāvitrī, Dhruva e muitos outros. Além disso, a pressão social exercida nos indivíduos para que mantenham um alto padrão de moralidade e ética, leva os pais hindus a se comportarem de uma forma que inspire seus filhos. A não ser que os pais sejam bons e nobres, esperar que crianças cresçam para ser membros bons e nobres de qualquer sociedade é um sonho fútil.
Finalmente, devemos notar que porque as crianças estão sempre cercadas por um grande número de parentes amorosos, o abuso de crianças não acontece facilmente. As crianças são punidas se não se comportam, mas nunca abusadas.
A CONDICÃO DAS MULHERES
NA ATUAL SOCIEDADE HINDU
A maternidade é considerada a maior gloria das mulheres hindus. O Taittirīya Upanishad, “Mātridevo bhava” – “ Que a sua mãe seja um deus para você ”. A tradição hindu reconhece a mãe e a terra mãe, superiores até ao paraíso. O épico Mahābhārata diz, “Enquanto o pai é superior a dez sacerdotes brahmins conhecedores dos vedas, uma mãe é superior a dez desses pais, ou ao mundo inteiro”. No hinduísmo, Deus é visto também como a Mãe Divina, e as bênçãos de ambos, pais e mães, são queridas pelos filhos para que esses sucedam na vida. Considera-se o amor materno, o amor mais não egoísta, pois quando uma mãe cuida do bebê, tudo que ela quer é o bem estar do bebê e não espera nada em retorno. Isso torna o seu amor superior às outras formas de amor no mundo. Essas são as razoes pelas quais uma mãe hindu é altamente adorada por seus filhos. Para seus filhos, ela é a própria encarnação da castidade, da pureza e do amor não egoísta. A sociedade hindu jamais tolerará que uma mãe ou irmã sejam insultadas, e uma revolta pode começar na Índia, pela punição daquele que forçosamente tenha violado a castidade de uma mulher ou moça hindu. Para entender a posição da mulher na sociedade hindu, é importante reconhecer esses sentimentos hindus.
Na Índia antiga, as mulheres hindus não cobriam seus rostos e desfrutavam de uma considerável liberdade na sociedade, mas ataques estrangeiros repetidos através dos séculos, mudou essa situação. Durante tais agressões, e também enquanto a Índia estava sob ocupação estrangeira, a honra e a castidade das mulheres com freqüência eram as vítimas. Houveram muitos casos de mulheres hindus que se mataram para não render-se a tais indignidades cometidas por seus agressores. Como resultado disso, a sociedade hindu tornou-se mais e mais protetora de suas mulheres. A liberdade das mulheres foi reduzida, e para proteger-se, as mulheres hindus começaram a cobrir seus rostos com véus, e já não podiam educar-se longe de seus lares. Ao invés disso, ficavam em casa, e adquiriam a educação que estava disponível ali, às vezes nenhuma. Sua participação em eventos sociais ficou muito restrita.
No final do século 19, durante o domínio britânico, alguns poucos movimentos reformistas foram iniciados na tentativa de remediar alguns males da sociedade hindu, e para prevenir a conversão de hindus a outras religioes. Um grande reformista, Rājā Rāmmoham Roy ( 1772 – 1833 ), acreditava entre outras coisas, em dar uma educação mais elevada e mais liberdade social para as mulheres. Ele fundou uma organização religiosa chamada Brāhmo Samāj, que iniciou muitas escolas para mulheres na Índia. O Swāmī Dayānanda Sarasvatī ( 1824 – 1883 ), fundador do Ārya Samāj, também acreditava na educação para as mulheres. De acordo com Swāmī Vivekānanda, o fundador da Missão Rāmakrishna, “Não existe chance para o bem estar do mundo a não ser que a condição das mulheres melhore. É impossível para um pássaro, voar com apenas uma asa”. A Missão Rāmakrishna administra muitas instituições educacionais modelo para homens e mulheres na Índia.
* ilustração - Rājā Rāmmoham Roy
Os movimentos reformistas e a liberdade política que a Índia conseguiu no ano de 1947, têm ajudado imensamente no melhoramento da condição da mulher hindu. Atualmente a mulher hindu desfruta de uma considerável liberdade na sociedade. Elas têm na educação e em outras áreas, as mesmas oportunidades das quais os homens desfrutam. Hoje na Índia existem muitas mulheres que são médicas, enfermeiras, engenheiras, professoras universitárias, cientistas, filósofas, advogadas, juízas, políticas, administradoras, assistentes sociais, artistas, atrizes, musicistas e dançarinas. Por exemplo, Indirā Gāndhī, uma mulher hindu, foi Primeira Ministra da Índia, e outras mulheres hindus também ocupam posições elevadas na polícia e nas forças de defesa do governo da Índia.
* ilustração – Swāmī Dayānanda Sarasvatī
O crescimento do número de tais mulheres tem sido rápido e constante, e as mulheres hindus não ficam para trás em suas buscas por aventuras. Duas mulheres já escalaram com sucesso o Monte Evereste, e uma delas, por duas vezes. Existem grupos de montanhismo formado apenas por mulheres. Uma mulher hindu já atravessou o canal inglês a nado, e as mulheres hindus com freqüência participam de competições nacionais e internacionais de atletismo e outros esportes.
A duas gerações passadas, quase todas as mulheres hindus dependiam financeiramente de seus maridos, mas hoje isso já não acontece. Tanto em famílias urbanas como em famílias do campo, ambos marido e mulher ganham dinheiro. Em muitas famílias sem filhos homens e onde os pais são idosos e instáveis financeiramente, filhas solteiras trabalhadoras sustentam seus pais. A Índia ainda não tem planos de previdência social ou pensões do governo para aqueles que aposentaram-se ou estão idosos, o que explica porque os pais idosos dependem financeiramente de seus filhos crescidos.
A mídia ocidental com freqüência reprova a relutância de pais indianos em terem filhas. Em relação a isso, a Sra. Līlā Majundar escreveu a quarenta anos atrás: “Geralmente supõe-se que nas famílias indianas de classe média, o problema de prover os gastos do casamento é tão grave, que isso faz uma menina não ser bem vinda por seus próprios pais. A pessoa deve entender que a falta de afeto não é a causa dessa atitude, mas sim a preocupação com o futuro dela. Mais uma vez, com a crescente popularidade da educação, por necessidade, breve reconheceremos que uma filha solteira e educada pode ser um bem e não uma obrigação para a família. De fato, em muitas famílias mais avançadas, uma mulher assim tem com freqüência provado, ser uma fonte de conforto para seus pais idosos.”
Em relação aos casamentos arranjados, que ainda acontecem na Índia de hoje, a Sra. Majundar escreve: “Para os tolos e ignorantes, o casamento é de fato uma negação da expressão própria, mas para os sábios e educados, ele é a mais nobre carreira que o mundo pode oferecer. Um bom casamento oferece oportunidades de preenchimento e serviço que talvez não sejam encontradas em nenhum outro lugar. Até hoje, uma mulher indiana comum, aceita o casamento como sendo o seu destino natural, não uma tutela perpétua, como tem sido dito com freqüência, uma tutela que começou sob o seu pai, que continua sob o seu marido e vai terminar sob o seu filho, mas sim sendo uma parceira adequada, sem disputar com o seu marido a respeito de direitos pessoais, comprometida a servir com ele, pelo bem estar da família e da nação.
Para o julgamento ocidental, isso demonstra uma mentalidade escrava, embora as mulheres hindus vejam de forma contrária. De fato, é uma anomalia que em continentes onde as mulheres lutaram através de gerações por sua liberdade e por seus direitos, haveria de existir tal competição febril entre quase todas as adultas, e até mesmo mulheres adolescentes, para garantir um marido a qualquer custo. Uma olhada nas páginas de anúncios de qualquer popular revista ocidental, reforça a idéia de que todos os estilistas, químicos e fabricantes de cosméticos, tentam disfarçar uma menina simples, de tal forma que ela atraia a atenção de um homem, tendo o matrimonio como objetivo final. A atitude indiana parece de todas as formas, ser mais natural, mais digna e simples. Para uma menina hindu, até mesmo hoje, o casamento não é nem frustração, nem satisfação própria, mas sim auto dedicação. A mulher indiana não se casa apenas com o seu marido, mas com toda a família dele, e identifica a sua própria felicidade com o bem estar de todos eles. Ela está comprometida por laços de dever, não só para com o seu marido, mas também os seus pais, irmãos, irmãs e até mesmo sobrinhos e sobrinhas. Isso impõe disciplina sobre as suas emoções e desejos, tão rigorosa quanto em qualquer escola. Em seus olhos, a idéia ocidental da vida em família, que exclui e ressente uma mãe viúva, um pai inválido ou os pedidos de um irmão arruinado, parecem ruins e egoístas ao extremo. A mulher indiana moderna, não é uma escrava para a sua família, mas sim uma provedora do seu bem estar. Ela cozinha, costura, cuida e ensina, não só para o seu marido e filhos, mas também para os parentes que precisam de seus serviços. Isso não é frustração, mas a realização da sua condição de mulher.”
As palavras da Professora Majundar expressam com eloquência o ideal hindu da condição da mulher, embora a sua visão da mulher e da vida em família no ocidente estejam abertas a controvérsias. Nenhuma cultura ou sociedade do mundo pode proclamar perfeição, pois a perfeição à nível social jamais poderá ser atingida. Não obstante, todas as sociedades em desenvolvimento, buscam a perfeição, e a imperfeição nas sociedades é medida pelo seus males. Todos os males de uma sociedade são causados pelo egoísmo de um ou mais de seus membros. Somente o auto sacrifício de seus membros, com amor e por vontade própria, pode melhorar uma sociedade A sociedade hindu tem tentado alcançar isso através do antigo ideal do sacrifício próprio e do serviço.
VII
O PAPEL DA COMIDA
Desde o início do período védico, uma grande importância tem sido dada à que tipo de alimento pode ser comido sem riscos pelos indo-arianos. Nem todos os tipos de comidas são consideradas boas para o bem estar físico e espiritual das pessoas. O antigo legislador Manu, descreveu detalhadamente que alimentos são proibidos e quais são permitidos.
SERÁ QUE OS ANCESTRAIS VÉDICOS DOS HINDUS
COMIAM CARNE ?
Os ancestrais védicos dos hindus comiam, entre outras coisas, certos tipos de carne permitidos pelo seu livro de leis (Smriti). Apesar do consumo de carne ser permitido, Manu recomendava o vegetarianismo baseado na não-violência. Manu diz: “Não existe pecado em comer carne... mas a abstenção traz grandes recompensas.” Toda comida, inclusive carne, deveria primeiramente ser oferecida a Deus.
Uma pergunta feita com freqüência é a se os ancestrais védicos dos hindus comiam carne vermelha, e existem razões válidas para acreditar que os arianos védicos comiam carne vermelha sim, embora vacas leiteiras nunca fossem mortas. Uma vaca leiteira era chamada de aghnyā, o que quer dizer, “o que não deve ser morto”. Apenas touros, bezerros e vacas estéreis eram mortos por sua carne.
PORQUE OS HINDUS ATUAIS
NÃO COMEM CARNE VERMELHA
A tradição de não comer carne vermelha chegou ao hinduísmo muito mais tarde. Alguns eruditos pensam que a influência do jainismo pode ter algo a ver com isso. Além disso, nas áreas rurais, onde a maioria das pessoas vive na Índia, quase todo lar hindu possui pelo menos uma vaca leiteira. As vacas indianas são muito gentis por natureza e são como membros da família. As crianças crescem bebendo do seu leite e tratam-nas da mesma maneira que cães de estimação são tratados nos países ocidentais. Não só pelo tabu religioso, no que diz respeito a comer carne vermelha, essa é uma outra razão pela qual um hindu jamais poderia pensar em matar uma vaca e comer sua carne. Além disso, os hindus sempre tentam evitar a matança de fêmeas de qualquer espécie animal, tanto o quanto for possível.
A VACA É SAGRADA ?
No ocidente existe a idéia de que os hindus não comem carne vermelha porque consideram a vaca um animal sagrado. Essa noção não é correta. O hinduísmo, como as outras religiões teístas do mundo, acredita que Deus está presente em todos os lugares. Ela está igualmente presente em todos os seres e em todos os lugares, mas não igualmente manifestado. Deus está mais manifestado em uma incarnação divina ou em um santo, do que nos seres humanos normais, e ainda menos manifestado nos animais, nas plantas e em outras formas inferiores de vida, como nas pedras. Portanto, Deus deve também estar presente na vaca, caso contrário, isso contradiria a idéia de Sua onipresença. Sendo Ele o que há de mais sagrado, o que quer que tenha a Sua presença tem de ser sagrado, e porque não uma vaca? Mesmo assim, um hindu jamais consideraria uma vaca como sendo superior a um ser humano, pois a manifestação de Deus em um vaca, num animal, é muito menos pronunciada do que em seres humanos.
Na antiga e nômade cultura indo-ariana, as vacas tinham um papel muito útil, pois o seu leite nutria os arianos. A manteiga clarificada, a principal fonte de óleo comestível para os arianos, era também usada nas lâmpadas à óleo. Os sapatos e outros bens essenciais eram feitos com o couro da vaca, e o esterco seco era usado como combustível. Assim, partindo provavelmente de um ponto de vista utilitário, os arianos desenvolveram um sentimento especial de predileção em relação as vacas. Em países ocidentais, tais sentimentos ganham voz em afirmações tal qual: “O cavalo é um animal nobre”. Mas tal afirmação não deve ser interpretada literalmente. Assim como um puro-sangue é admirado como sendo um ótimo e extremamente valioso animal, da mesma forma, os antigos indo-arianos devem ter tido um sentimento de admiração pelas vacas, e nada além disso.
OS TIPOS CORRETOS DE ALIMENTOS
PRESCRITOS PELAS ESCRITURAS
O Bhagavad Gītā, a bem conhecida escritura hindu, ensina que apenas comidas suculentas, calmantes, integrais e agradáveis devem ser ingeridas para o bem estar físico e espiritual da pessoa. Comidas excessivamente amargas, azedas, muito salgadas, muito quentes, picantes, secas e ardidas devem ser evitadas. A pessoa deve também evitar comidas passadas, sem sabor, podres e impuras.
As escrituras das seitas vaishnava e shaiva, prescrevem o alimento vegetariano a seus seguidores. Aos que pertencem a seita shākta, suas escrituras permitem que comam carne, peixe e até mesmo tomem vinho consagrado. O resultado é que alguns hindus carregam consigo sentimentos negativos e até mesmo de ódio em relação a hindus de outras seitas, que comem outros tipos de comida. Contudo, os santos nunca apoiaram tais sentimentos negativos. O Swāmī Vivekānanda lamentou: “Na Índia, a religião foi parar na panela.” Srī Rāmakrishna costumava dizer: “Se uma pessoa que come carne de porco pode pensar em Deus incessantemente, ela é muito superior a uma pessoa que come comida vegetariana e ainda assim pensa nos objetos dos sentidos durante todo o tempo.” Meerā Bāi, uma conhecida santa indiana, costumava dizer:
Se comer frutos e raízes possibilitasse a visão de Deus,
Porque os morcegos e os macacos não o vêem?
Se banhar-se em águas sagradas possibilitasse o conhecimento de Deus,
Porque os peixes não o conhecem?
Se comer vegetais e folhas possibilitasse encontrar a Deus,
Porque os cervos e os bodes não o encontram?
Se renunciar as suas esposas possibilitasse a visão de Deus,
Porque os eunucos não o vêem?
Sem o amor de Deus, diz Meerā,
Ninguém jamais terá a visão de Deus.
Portanto, de acordo com as santos hindus, comer o tipo correto de comida, apesar de benéfico para a vida espiritual, tem importância secundária em relação ao desenvolvimento do genuíno amor de Deus. Tal amor torna possível a visão de Deus.
* ilustração - Meerā Bāi
VIII
DEUS
INTRODUÇÃO
Desde o início, o hinduísmo vem evoluindo. Acreditasse que num estágio inicial, os ancestrais dos hindus tenham sido politeístas. A terra, a água, o fogo, o vento, o céu, o sol, o amanhecer, a noite e a tempestade eram todos deificados e adorados como deuses. Mas enquanto eram glorificados pelos hinos védicos, as pessoas dirigiam-se e referiam-se a cada um desses deuses como sendo o Deus Supremo, o Senhor de todos os deuses, e o criador deste universo. De acordo com Max Müller, os ancestrais dos hindus não eram politeístas, mas sim, henoteístas.
Gradualmente, a mente indo-ariana descobriu um denominador comum por detrás dessa multiplicidade de deuses. O hino Nāsadīya, ou o “hino da criação”, do Rig-Veda, nos conta numa linda e poética linguagem a respeito de um único e primordial princípio, extremamente abstrato, designado como AQUILO, a partir do qual o mundo inteiro evoluiu. Esse princípio é a pura consciência, ou puro espírito. Está além do mundo do espaço e do tempo, além da multiplicidade, insondável e impossível de ser conhecido por mentes humanas comuns. Tal princípio já existia antes mesmo que os deuses, os homens, ou qualquer outra coisa na criação existisse, e é a partir desse princípio único que o mundo dos Muitos evoluiu. O genialidade indo-ariano finalmente chegou Àquele que é a única causa de tudo, o Único Deus, que em sânscrito védico chama-se Brahman. Após essa realização divina, os textos védicos repetidamente ecoaram a verdade a respeito da unidade de Brahman.
As afirmações védicas como: “Ekam sad viprā bahudhā vadanti”- “Apenas Um existe, e os sábios chamam-No por vários nomes”, não só enfatiza a unidade de Deus, mas também cria uma firme fundação para a universalidade e a tolerância no hinduísmo. A idéia de harmonia entre as religiões é um ingrediente fundamental do hinduísmo. O grande sábio Manu declarou: “A pessoa deve conhecer o Espírito Supremo que tudo governa, mais sutil que o mais sutil, de gloria resplandecente, capaz de ser realizado pela meditação daqueles de mente pura. Alguns chamam-No Agni (o Fogo), outros chamam-No Manu (o Pensador), ou Prajāpati (o Senhor das criaturas), Indra (o Glorioso), Pranā (a Fonte da vida), e o eterno Brahman (o grandioso).
NIRGUNA BRAHMAN
Se perguntarmos, “Quem existia antes da criação?”, a resposta lógica será “apenas o criador existia, ou Deus”. Mas se perguntarmos, “Como era Deus antes da criação?”, então a resposta do hinduísmo será que Deus, antes da criação, estava em seu estado de existência transcendental. Aqui, a palavra “transcendental” significa que a existência de Deus estava além do nosso tempo, espaço e causalidade. O hinduísmo sustenta que quando Deus criou o mundo, Ele também criou o tempo e o espaço. Portanto, a existência pré-criação deve estar além do tempo e do espaço, pois esses pertencem exclusivamente a este mundo.
Usemos a ajuda de uma analogia para esclarecer essa idéia. Consideremos uma pessoa que dormiu e está sonhando. Em seu mundo dos sonhos, a pessoa existe no espaco-sonho e no tempo-sonho, ambos criados por sua própria mente quando ela criou o seu mundo dos sonhos. A pessoa já não pertence ao tempo e ao espaço de seu estado desperto. Em seu estado de sonho ela transcendeu o tempo e o espaço de seu estado desperto. Da mesma forma, a existência de Deus antes da criação deve ser uma existência transcendental, porque então, Deus não pertence ao tempo e ao espaço deste mundo. A existência de Deus nesse estado pode ser chamada de “a verdadeira existência de Deus”. Nesse estado Deus está além de todas as limitações que são impostas pelo tempo, pelo espaço e pela causalidade. Deus nesse estado transcendental é eterno, infinito e imutável.
No hinduísmo, Deus, em seu estado transcendental de existência chama-se Nirguna Brahman, ou o Espírito Supremo, o Brahman Supremo, o Deus impessoal e sem atributos. Nirguna Brahman não pode Ter uma personalidade, pois a personalidade é uma limitação. Não tendo uma personalidade, Nirguna Brahman está também além de gêneros. Assim, os pronomes “Ele” ou “Ela” não podem ser usados para denotar Nirguna Brahman. Os Vedas usam o pronome neutro do sânscrito “Tat”, que em português eqüivale ao pronome demonstrativo “Aquilo”, indicando que Nirguna Brahman não é nem masculino, nem feminino.
Ao transcender o espaço, Nirguna Brahman é Infinito. Ao transcender o tempo, Nirguna Brahman é Eterno. Livre das constantes mudanças geradas pela causalidade, Nirguna Brahman é imutável. Não aceite imitações.
Atributos ou qualidades, são fatores de separação. Por exemplo, o poder de queimar é uma qualidade do fogo, e isso destingue o fogo da água, que não tem tal qualidade. Porque Nirguna Brahman é Um, Indivisível e Infinito, não acomoda qualquer tipo de separação em Si próprio. Portanto, Nirguna Brahman deve ser sem atributos, ou livre de todas as qualidades.
O hinduísmo também usa expressões como “Verdade Absoluta”, “Consciência” e “Bem-aventurança Infinita” para designar Nirguna Brahman. Mas independente dos termos usados, Nirguna Brahman jamais pode ser descrito adequadamente através de palavras e expressões finitas, pertencentes ao nosso mundo de limitações. Nirguna Brahman é indescritível. O grande santo e filósofo hindu, Shankarāchārya, diz que afirmações védicas tais como Sat-Chid-Ānandam–“Brahman é a Existência Eterna, o Conhecimento Absoluto e a Bem-aventurança Infinita”- são apenas dicas a respeito da natureza de Nirguna Brahman, nunca uma descrição Daquilo.
ĪSHVARA
Quando uma pessoa, com a sua mente finita, tenta pensar no infinito Brahman, sem saber, projeta as limitações de sua mente finita em Nirguna Brahman. Resultando disso, Nirguna Brahman parece tornar-se finito para ela, pois a mente humana só pode pensar em termos humanos, e sem saber projeta caraterísticas, ou qualidades, em Nirguna Brahman, que assim adquire uma personalidade que lembra muito uma personalidade humana, não importa o quão glorificada. Nirguna Brahman impessoal parece tornar-se o Brahman pessoal, ou Deus pessoal. Na realidade, Nirguna Brahman não sofre qualquer mudança ou modificação, e o Deus pessoal não é diferente do Deus impessoal , ou Nirguna Brahman, só que experienciado através do véu do tempo, do espaço e da causalidade. É o mesmo que uma pessoa olhando para o céu azul através de três pares de óculos, um vermelho, um verde e um cor de rosa. Quando ele usa os óculos vermelhos, o céu parece avermelhado, quando ele usa os óculos verdes, o céu parece esverdeado, e quando ele olha através dos óculos cor de rosa, o céu parece cor de rosa. Na realidade, essas cores são projetadas no céu pelos óculos coloridos daquele que olha. O céu não muda de cor. Similarmente, as mentes finitas das pessoas, como os óculos coloridos, projetam suas limitações em Nirguna Brahman. O imutável e infinito Nirguna Brahman parece adquirir as limitações de uma personalidade, embora na realidade não mude absolutamente. Do ponto de vista de Nirguna Brahman, Nirguna Brahman permanece imutável. Portanto, de acordo com o hinduísmo, a idéia de um Deus pessoal não é a verdade última. Esse é, relativamente falando, um conceito inferior de Deus. Não obstante, um Deus pessoal e um Deus impessoal, não são essencialmente diferentes um do outro. Da mesma maneira que o céu avermelhado e o céu esverdeado são na verdade o mesmo céu, assim também, o Deus pessoal não é outro que não o Deus impessoal. São essencialmente uma e mesma coisa.
* ilustração – Brahmā – O Criador
O Deus pessoal no hinduísmo chama-se Saguna Brahman, ou Īshvara. Para o homem que está no mundo do tempo, espaço e causalidade, Īshvara, ou Saguna Brahman é o criador deste mundo. Ele é onipotente, onisciente e onipresente. Através da Sua mera vontade, Ele se manifesta como esse universo multifacetado. Embora sem forma, através de Seu mágico poder divino, Māyā, Ele assume várias formas. Através da Sua māyā, Ele criou o mundo com o bem e com o mal, e apesar do mundo estar Nele, Ele está além do bem e do mal do mundo. Ele é como uma cobra venenosa, que não é afetada pelo veneno em sua boca. O seu veneno afeta apenas os outros.
Īshvara é não somente o criador, mas também o preservador e o destruidor. A criação, a preservação e a destruição andam de mãos dadas neste mundo. Īshvara, portanto, tem esses três aspectos básicos, que são: (1) o aspecto criador, (2) o aspecto preservador, (3) o aspecto destruidor. Esses aspectos básicos de Īshvara chamam-se Brahmā, Vishnu e Shiva, respectivamente. Quando Īshvara cria, Ele chama-se Brahmā, enquanto Ele preserva, Ele chama-se Vishnu, e quando Ele destrói, Ele chama-se Shiva. Īshvara não é masculino ou feminino, embora os hindus vejam-No como pai e mãe, e de acordo com a atitude mental do devoto, este pode também estabelecer outros tipos de relacionamento com Īshvara. Eles podem vê-Lo como um amigo, como uma criança, e até mesmo como um marido, pois tais relacionamentos não são nada além de projeções mentais em Īshvara. Muitas das grandes santas do hinduísmo consideravam-se casadas espiritualmente com Deus, e viam-No como sendo o seu Marido Divino. Algumas santas viam Deus como sendo uma Criança Divina. Muitos santos do hinduísmo, como Kamalākānta, Rāmprasād, Srī Rāmakrishna e outros, viam Deus como sendo a Mãe Divina. Tais relacionamentos eram puramente mentais e completamente livres de qualquer associação com o corpo físico.
* ilustração – Vishnu – O Preservador
De acordo com Srī Rāmakrishna, um famoso santo da Índia do século 19, tais atitudes para com Deus podem gerar sentimentos de grande intimidade entre Deus e o devoto, e assim apressar a realização de Deus.
Īshvara é também o originador e sustentador da eterna ordem moral neste mundo. Essa ordem moral, ou leis básicas, que chamam-se Rita em sânscrito, mantém a regularidade e a ordem de tudo neste universo, inclusive das estrelas e os planetas.
* ilustração – Shiva – O Destruidor
AS DEIDADES NO HINDUÍSMO
Ao lado dos três aspectos básicos, Īshvara tem vários poderes e aspectos. Um ou mais desses aspectos estão personificados nas deidades do hinduísmo. Por exemplo, quando um hindu pensa em Īshvara como o doador do conhecimento e da sabedoria, tal aspecto é personificado na deidade Sarasvatī. Da mesma maneira, a deidade Lakshmī personifica Īshvara como sendo o doador da riqueza e da prosperidade.
Deveríamos entender claramente que as deidades não são muitos diferentes deuses, mas sim personificações de vários aspectos do mesmo e único Īshvara.
DEVAS E DEVĪS
SERES COM CORPOS BRILHANTES
Certas criaturas que acumularam muitos méritos enquanto na terra, são promovidas após suas mortes, a exercer posições exaltadas. Esses seres exaltados adquirem corpos brilhantes que emanam luz. Em sânscrito, a palavra div significa “brilhar”, e assim, esses seres são chamados de devas (masculino) e devīs (feminino).
O maior dos devas é Hiranyagarbha, que possui infinitos poderes. Ele foi o primeiro ser criado por Deus (Īshvara). Mesmo sendo uma criatura, Hiranyagarbha tem poderes, quase como os poderes de Deus. Ele é a inteligência cósmica, e através da vontade de Īshvara, Hiranyagarbha criou este mundo e é a primeira manifestação de Deus (Īshvara), merecendo assim a adoração de todos. Todos os outros devas e devīs existem em Hiranyagarbha, pois Hiranyagarbha é infinito e contém o mundo inteiro. Adorar qualquer um deles, é como adorar o próprio Hiranyagarbha. Em alguns momentos, os Purānas deificam Hiranyagarbha ao nível de Īshvara, quando então chama-se Brahma, o Criador.
Exceto Hiranyagarbha, esses seres não são almas iluminadas ou liberadas. Eles adquirem posições exaltadas através de seus méritos na terra. Quando o efeito dessas ações meritórias se cumpre, eles tem de nascer novamente como seres humanos.
OS DEVAS E DEVĪS SOBERANOS
O hinduísmo fala a respeito de devas e devīs que presidem – em sânscrito, Adhishthātri Deva e Adhishtātrī Devī, ou que controlam os vários domínios animados e inanimados deste universo. Tais domínios podem ser sutis ou grosseiros, ou muito grandes, ou muito pequenos. Por exemplo: Indra é o deva que controla os braços e mãos de todas as pessoas. Similarmente, Hiranyagarbha é o deva que controla o total de todas as mentes individuais deste universo, em outras palavras, Hiranyagarbha considera o total de todas as mentes como sendo a sua própria mente, da mesma forma, o deva que controla a totalidade dos corpos materiais neste universo é Virāt, que considera todo o universo material como sendo o seu próprio corpo. Para uma melhor explicação, consideremos o corpo humano como sendo um universo limitado pela pele, e que comporta todas as minúsculas formas de vida existentes ali. Também sabemos que no corpo humano existem os leucócitos, glóbulos sangüíneos brancos, que parecem ter um inteligente senso de dever para proteger o corpo de intrusos prejudiciais, assim sendo, quando alguns germes entram no corpo, os leucócitos os atacam. Se fosse possível que alguém conversasse com um leucócito e dissesse: “Veja, você vive num universo limitado pela pele, e existe um ser que acha que esse universo é o seu próprio corpo. Ele é o deva soberano do seu universo.” O leucócito muito provavelmente diria: “Você esta brincando?”
Nós somos muitos parecidos com esse leucócito. Nossos condicionamentos mentais dificultam a aceitação da idéia de um deva ou devī soberanos, não sendo prudente dispensar tal idéia como ridícula. Se formos imparciais, teremos de admitir que a existência de tais seres não é impossível, e o hinduísmo afirma que tais seres existem.
AS ENCARNACÕES DIVINAS
De acordo com o hinduísmo, quando a religião declina e a irreligião prevalece, Deus em Sua compaixão, encarna na terra para revitalizar a religião. Ele então é conhecido como uma encarnação divina, ou em sânscrito, Avatāra. Deus encarnou várias vezes desde o início da criação, e fará o mesmo no futuro, sempre que tal necessidade surja. Nas primeiras poucas vezes, Deus encarnou como seres subumanos. Primeiro, como um peixe, depois como uma tartaruga, e mais tarde como um javali. Então Ele encarnou como uma combinação de animal e humano. Todas as Suas encarnações subsequentes foram em formas humanas.
A ciência nos diz que as primeiras formas de vida na terra eram animais aquáticos e peixes. Então vieram os anfíbios, tais como as tartarugas, seguidos de animais terrestres como os javalis. Depois disso, quando os primeiros ancestrais dos homens apareceram, eles não eram completamente humanos, mas sim uma combinação de animal e humano. O paralelo entre as incarnações divinas, e o surgimento e evolução das formas de vida na terra, é de fato muito marcante.
A pessoa pode se perguntar a respeito do porque de Deus ter encarnado em outras formas que não a humana. E para explicar isso, o hinduísmo traz a nossa atenção para o fato de que todas as criaturas foram criadas pelo mesmo e único Deus compassivo. A infinita compaixão de Deus, que causa a Sua decida à terra como uma encarnação divina, deve ser a mesma para seres humanos e seres subumanos. Caso contrário, Deus torna-se algo parcial, uma idéia inaceitável.
Um dos Purānas, o Shrīmad Bhāgavata, menciona a possibilidade de inumeráveis encarnações divinas. Algumas das outras escrituras mencionam apenas dez.
Entretanto, os vedas não falam a respeito de encarnações divinas, mas falam a respeito de Rishis , ou sábios, embora nem todos os sábios fossem do mesmo calibre espiritual. Alguns poucos ofuscaram os outros em seus sucessos espirituais. Mais tarde, quando as diferentes escolas de filosofia hindu desenvolveram-se, esses sábios exaltados vieram a ser conhecidos como Adhikārī Purushas – pessoas dotadas de poder e autoridade super humanas. Os Adhikārī Purushas, por serem extraordinários, embora humanos, não eram colocados na mesma categoria dos outros seres humanos. A Sānkhya, a mais antiga escola de filosofia religiosa hindu, chamaria um Adhikārī Purusha de Īshvarakoti ou Kalpaniyāmaka Īshvara.
* ilustração – Shrī
Krishna
O fenômeno da encarnação divina tem estado presente, mas não foi interpretado corretamente durante o período védico, ou quando a Sānkhya e outras escolas de filosofia desenvolveram-se na Índia. Somente bem mais tarde, durante o período dos Purānas, tal fenômeno foi interpretado corretamente. O Adhikārī Purusha, o Īshvarakoti ou o Kalpaniyāmaka Īshvara do período pós-védico não são diferentes da encarnação divina do período dos Purānas. Essa é a visão de alguns eruditos hindus.
Deus encarna na terra para cumprir dois propósitos: (1) para inspirar e (2) para liberar. Ele inspira a humanidade através de exemplos, e pela Sua própria vontade toma sobre Si as limitações humanas, superando-as através de intensas práticas espirituais e assim manifestando a Sua perfeição espiritual. Deve ficar entendido que, por ser perfeito desde o Seu nascimento, uma encarnação divina realmente não precisa de nenhuma prática espiritual para atingir a perfeição. Não obstante, para inspirar as pessoas, Ele passa por várias disciplinas espirituais, assim atingindo a Sua perfeição e deixando um exemplo para a humanidade. Da mesma forma que uma galinha, mesmo sem fome, cisca e enche o papo para que os mais novos aprendam a comer, assim também, uma encarnação divina passa por várias austeridades espirituais pela humanidade, para ensina-los a atingir a perfeição através de práticas espirituais.
A encarnação divina livra dos pecados todos aqueles que se rendem completamente a Ele, ajudando-os a atingir a perfeição. Shrī Krishna, uma encarnação divina, diz no Bhagavad Gītā, “Abandonando todos os rituais e deveres, refugie-se em Mim somente. Não lamente, pois Eu te libertarei de todos os pecados.”
IX
A DOUTRINA DO KARMA
INTRODUÇÃO
O hinduísmo acredita na doutrina da causa e efeito, que em sânscrito chama-se Karmavāda – a teoria ou doutrina do karma. A palavra karma significa ação, e às vezes é usada para determinar o efeito de uma ação. De acordo com essa doutrina, boas ações produzem bons efeitos, e más ações, efeitos ruins. Geralmente, os efeitos ou frutos da ação chamam-se, em sânscrito, Karmaphala. Os frutos das boas ações trazem prazer e desfrute àquele que as praticou, enquanto que os frutos das más ações causam-no sofrimento e dor.
A física conta-nos a respeito da conservação da energia, e de acordo com tal teoria, energia nunca é destruída, ao invés disso, um certo tipo de energia se transforma num outro tipo de energia. Usando essa idéia como uma analogia, podemos dizer que a energia despendida através de qualquer ação, apenas muda de forma e torna-se força karmica, ou Karmaphala. Essa força, como um bumerangue, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, retorna à quem praticou a ação. Ao retornar ao agente, a forca karmica começa a agir em sua mente e corpo, causando prazer ou dor. Nenhum agente pode escapar de tal força karmica, que se exaure depois de trabalhar na mente e no corpo daquele que praticou a ação. Depois disso, essa energia torna-se parte do vasto reservatório de energia cósmica.
De acordo com tal doutrina, Deus não é responsável pelo prazer e dor de Suas criaturas. São as criaturas que são responsáveis pelo próprio desfrute e sofrimento, e sofrem ou desfrutam graças às conseqüências dos seus próprios atos ruins ou bons. De acordo com o hinduísmo, Deus é Karmaphaladātā – o doador dos frutos das ações. Ele é o derradeiro distribuidor da justiça, e garante que todos recebam os seus próprios Karmaphalas, e não uma outra pessoa.
Durante um período médio de vida, o agente pratica inumeráveis ações, e igualmente incontáveis são os efeitos. Nem todos os efeitos das ações retornam imediatamente ao agente, embora alguns o façam. Por exemplo, se uma pessoa planta uma macieira em seu jardim, em alguns anos ela poderá colher os frutos, mas se essa pessoa coloca a mão no fogo, isso terá um efeito imediato, sua mão estará queimada.
SANCHITA KARMA
E PRĀRABDHA KARMA
Algumas ações, devido a sua natureza inerente, tem os seus efeitos mais tarde. Algumas delas são como títulos de longo prazo, que dão retorno somente em alguns anos. Similarmente, os resultados de algumas ações podem não vir durante a vida daquele que as praticou. Tais frutos de ações, ou karmaphala, permanecerão guardados até o momento apropriado, e talvez apresentem seus efeitos numa das vidas futuras daquele que praticou tais ações. Assim, no hinduísmo, a doutrina do karma está ligada à doutrina da reencarnacão.
As força kármicas guardadas são os efeitos das ações praticadas em vidas passadas. Essas forças chamam-se sanchita karma, ou força kármica acumulada. Permanecem em estado potencial, como títulos de longo prazo que tem diferentes datas vencimento. Quando o momento apropriado chega, tal força se torna cinética e começa a agir na mente e no corpo daquele que praticou as ações. Quando a força kármica torna-se cinética, ela é chamada de prārabdha karma – a força kármica que começou a surtir efeito. De acordo com o hinduísmo, é o prārabdha karma que causa o nascimento de uma pessoa e determina por quanto tempo ela vai viver. Também é a causa do prazer e da dor na vida dela, e quando a forca do prārabdha karma se exauri, o corpo morre. É como se o corpo fosse um relógio que, programado pelo prārabdha karma, funciona por um determinado número de anos e pára de funcionar quando a energia se esgota.
KRIYAMĀNA ( ĀGĀMĪ ) KARMA
Qualquer ação feita nesta vida, ou o seu efeito, chamam-se em sânscrito kriyamāna karma ou āgāmī karma. As escrituras hindus nos dizem que tipo de kriyamāna karma, ou ação executada nesta vida, irá surtir efeito imediato. Uma pessoa que cometeu algum crime horrendo, como matar uma pessoa santa ou uma mulher, sofrerá os efeitos ruins de tal ação nesta vida mesmo. Outras ações, boas ou ruins, que são relativamente triviais, talvez não tenham efeitos imediatos. Tais ações vão sendo acumuladas durante a vida de uma pessoa, kriyamāna karma, finalmente formando o vasto reservatório de sanchita karma, ou karma acumulado.
O SUICÍDIO NA VISÃO DO HINDUÍSMO
Se uma pessoa, comete suicídio e prematuramente faz o seu “corpo relógio” parar, ela está cometendo um grande erro. A sua força kármica não pára com tal morte, e continua perseguindo-o até mesmo no outro mundo. Por tal morte nada natural, e causada por si próprio, a força kármica o inflige com um sofrimento e uma dor muitas vezes maior do que o sofrimento caso a pessoa estivesse viva. Portanto, o hinduísmo condena veementemente o suicídio.
A INTERPRETAÇÃO DA MORTE INFANTIL
NO HINDUÍSMO
À luz da reencarnacão, o hinduísmo não considera que um recém nascido seja necessariamente uma alma “pura” ou “inocente”. O hinduísmo também não acredita que uma criança que morre logo após o seu nascimento, vá para o paraíso ou torne-se liberada. Todo nascimento é uma oportunidade para que um indivíduo cresça espiritualmente através das experiências amargas e doces da vida, e aqueles que morrem na infância não tem tal oportunidade. Uma pessoa com muitos karmas ruins a serem resolvidos, pode nascer repetidamente apenas para morrer em sua infância. Passando pelo doloroso processo de repetidos nascimentos e mortes sem fruição. A curta duração da sua vida na terra, previne-a de fazer qualquer progresso espiritual.
PODE UM SANTO TER DOENÇA FÍSICA
OU SOFRIMENTO MENTAL?
Existe na mente de algumas pessoas, a noção errônea de que um verdadeiro santo não sofre nenhuma doença física ou dor mental. Essa noção baseia-se na suposição de que um santo, sendo perfeito, não deveria sofrer como as outras pessoas. Muitos santos genuínos foram vistos em suas vidas, passando por muito s sofrimentos físicos e mentais. O ditado, “Um santo tem um passado, e um pecador, um futuro”, pode explicar o porque de um santo sofrer nesta vida. O santo pode ter cometido más ações em uma ou mais de suas vidas passadas, e agora está lidando com os efeitos de tais ações, na forma de sofrimento físico e mental.
Mesmo agora, iluminado espiritualmente, ele deve lidar com o seu prārabdha karma até que a força de tal karma seja exaurida.
De acordo com a doutrina do karma, quando uma pessoa torna-se santa ao ter a experiência espiritual última, todo o seu sanchita karma, ou karma acumulado, é eliminado. Mas não pode livrar-se de seu prārabdha karma até a sua morte.
O hinduísmo usa uma bela analogia para explicar isso. Um caçador tem uma aljava cheia de flechas. Essas flechas são o seu sanchita karma, ou karma “acumulado”. Ele saca uma flecha de sua aljava, coloca-a no arco e atira. A flecha atirada por ele é o seu prārabdha karma. Uma vez que a flecha é atirada com o arco, o caçador já não tem nenhum controle sobre ela. A flecha viaja pelo ar e cai ao solo quando a sua energia foi completamente exaurida. O prārabdha karma é como a flecha, sobre a qual o caçador já não tem nenhum controle, e é esse prārabdha karma que cria o corpo humano e traz prazer e dor até que a sua força kármica tenha sido exaurida, quando então o corpo morre. Nem mesmo os santos estão isentos desse processo.
UMA ENCARNAÇÃO DIVINA
ESTÁ ALÉM DAS FORÇAS KÁRMICAS
Existe, entretanto, uma exceção à regra. Uma encarnação divina nunca é controlada pelas força do karma e seu corpo não é causado por prārabdha karma. Para que Deus possa encarnar na terra, numa forma humana, Ele cria para Si um corpo terreno através de Seu inescrutável poder mágico, ou māyā. Através de māyā, Ele passa a impressão de que nasceu de pais humanos. Por compaixão às criaturas que refugiam-se Nele, Ele absorve os seus pecados e karmas ruins em Seu corpo terreno, assim sofrendo por eles. Ele lida com o prārabdha karma deles, concedendo alívio e salvação. Uma encarnação divina também não gera qualquer karmaphala por qualquer coisa que faça em sua existência terrena.
O SOFRIMENTO DE NASCENÇA
VISTO À LUZ DO KARMA
E DA REENCARNAÇÃO
O fato de uma criança nascer cega, e uma outra nascer com um corpo perfeito, não pode ser explicado apenas dizendo-se que isso acontece de acordo com a vontade de Deus. Nesse caso, Deus seria parcial e caprichoso. O hinduísmo explica essa disparidade através das doutrinas da reencarnacão e do karma. Uma criança nasce cega como resultado de ações ruins cometidas durante encarnações prévias. O karmaphala armazenado em nascimentos passados surtiu efeito neste nascimento como cegueira.
AS FORÇAS KÁRMICAS NÃO GOVERNAM
AS VIDAS HUMANAS COMPLETAMENTE
Deveria ficar claramente entendido que o hinduísmo nunca diz que tudo o que acontece na vida de uma pessoa é resultado de suas ações em nascimentos prévios. A força kármica é apenas uma das muitas forças que controlam a sua vida. Mesmo com essas forças trabalhando, a pessoa tem bastante liberdade de ação, devendo exercitar essa liberdade de uma maneira que vá livra-la de sofrimento e dor no futuro, e ajuda-la a alcançar a liberação através da realização de Deus.
As escrituras do hinduísmo, em particular o Bhagavad Gītā, nos dizem que a pessoa pode livrar-se de todas as forças kármicas, exceto o prārabdha karma, se ela praticar ações sem esperar pelos frutos de tais ações. Um devoto de Deus deveria desenvolver a atitude de que suas ações não são para si mesmo, mas para o prazer de Deus. O trabalho feito com essa atitude, ajuda a pessoa a livrar-se dos efeitos restantes das ações cometidas nesta mesma vida (kriyamāna karma), além de purificar a mente, o que habilita a pessoa ater a visão de Deus. Depois da visão de Deus, a pessoa livra-se de todo o seu sanchita karma, ou karma acumulado, e atinge a liberação do ciclo de repetidos nascimentos e mortes. Mesmo assim, ele deve lidar com o seu prārabdha karma, cujas garras nenhum mortal pode escapar completamente. Entretanto, alguns dizem que embora não seja possível escapar completamente do prārabdha karma, a intensidade da sua força pode ser reduzida de forma considerável se a pessoa se rende a Deus completamente. Srī Sāradā Devī (1853-1920), uma das maiores santas da Índia, apoia essa visão. Ela diz, “Rendendo-se a Deus, um devoto pode reduzir o seu prārabdha karma. Por exemplo, se de acordo com as suas forças kármicas, ele estivesse destinado a ferir-se com uma espada, ao invés, ele ganharia uma alfinetada.”
A GRAÇA DE DEUS NO HINDUÍSMO
À luz da doutrina do karma, talvez o homem pareça ser responsável por tudo que acontece à ele nesta vida, seja na forma de prazer ou dor. Porque Deus é apenas o doador do karmaphala do homem, o seu papel não é diferente do de um banco. O banco não pode entregar nenhum dinheiro ao depositante, que não seja o capital de investimento e o seu rendimento. Então, onde então há escopo para a graça de Deus no hinduísmo?
Em resposta, o hinduísmo diz que a graça de Deus não pode ser condicional, e qualquer dádiva condicional não pode ser chamada de graça de Deus. Assim, a graça de Deus deve ser incondicional e imparcial. Da mesma forma que o sol brilha nos bons e nos maus, Deus banha a todos com a Sua graça imparcial. As pessoas boas usam a graça de Deus para o bem, e as ruins usam-na para o mal.
Srī Rāmakrishna nos explica isso com uma bela analogia. Uma vela está acesa num pequeno quarto, e à luz de vela, alguém está lendo um livro santo, enquanto uma outra pessoa no mesmo quarto está falsificando dólares. Nessa analogia, a luz da vela representa a graça de Deus. A graça é imparcial e brilha igualmente em ambos. As duas pessoas estão usando a graça de Deus com propósitos totalmente diferentes – um bom, e o outro mal. Talvez um deles eventualmente torne-se um santo, enquanto o outro vai acabar na prisão.
De acordo com Srī Rāmakrishna, a brisa da graça de Deus está sempre soprando, e todos neste mundo são como donos de barcos à vela, enquanto as velas não estiverem desfraldadas, a pessoa não pode aproveitar a brisa – a pessoa não pode beneficiar-se da graça de Deus. Mas assim que as velas estiverem desfraldadas, a brisa da graça divina começará a mover o barco. Nessa analogia, o ato de desfraldar as velas não é outro que não o de esforçar-se. Sem o esforço próprio, a pessoa não será capaz de beneficiar-se da graça de Deus.
X
A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO
De acordo com a doutrina da predestinação, todo evento na vida de um indivíduo já foi determinado por Deus – tudo acontece de acordo com a vontade de Deus. Os indivíduos não tem qualquer controle sobre os eventos. À luz da doutrina da predestinação, a doutrina do karma não pode ser aceita como uma doutrina válida, e vice versa.
O hinduísmo, entretanto, aceita ambas essas doutrinas como válidas. De acordo com o hinduísmo, a doutrina do karma é válida para uma pessoa que pensa ser aquele que pratica as ações. Tal pessoa considera-se responsável por suas ações, sejam elas boas ou ruins. Mas através de intensas práticas espirituais, a mente do aspirante espiritual pode adquirir graus de pureza mais e mais elevados. Num certo nível elevado de pureza mental, o aspirante espiritual perde completamente o senso de que é ele que age. Ele adquire a firme convicção de que não é quem age em nenhuma de suas ações, e convence-se de que é Deus que tem agido através do seu corpo, mente, energia e sentidos. Ele sente ser apenas um instrumento nas mãos de Deus, e o que quer que Deus tenha feito com ele, é para o seu bem espiritual último. Em tal alto nível de espiritualidade, a doutrina da predestinação é a única doutrina válida para ele, e a doutrina do karma deixa de ser uma doutrina válida.
Portanto, mesmo que aparentemente contraditórias, essas duas doutrinas são válidas para pessoas em diferentes estágios de crescimento espiritual. Num nível intermediário do crescimento espiritual, o aspirante espiritual pode interpretar alguns eventos de sua vida de acordo com a doutrina da predestinação e outros eventos de acordo com a doutrina do karma.
XI
A DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO
INTRODUÇÃO
No hinduísmo, a idéia de reencarnacão é tão antiga quanto o próprio hinduísmo. Para os estudantes de religião, a reencarnacão é uma doutrina teológica, enquanto que a maioria dos hindus considera-a um fato. A evidência que sustenta a reencarnacão vem de duas fontes: (1) Jātismaras – pessoas que se recordam de seus nascimentos prévios e (2) o testemunho dos santos e das escrituras.
A literatura religiosa hindu está cheia de numerosas referências à reencarnacão. No Bhagavad Gītā, Srī Krishna, uma encarnação divina diz para Arjuna, “Arjuna, Eu e você já nascemos muitas vezes no passado. Você não se lembra desses nascimentos, mas Eu me lembro de todos.” Nesse contexto em particular, Srī Krishna pode ser chamado de jātismara, uma pessoa que recorda-se de seus nascimentos prévios, mas não Arjuna.
O hinduísmo acredita que não apenas encarnações divinas como Srī Krishna, mas também santos de mente pura se assim quiserem, podem recordar-se de suas encarnações passadas. Através dos anos, pessoas que não são encarnações divinas ou santos, tem demonstrado a rara habilidade de se lembrar de suas vidas passadas. Esse é um numero muito pequeno. Não obstante, através das eras, a validade de muitos desses casos tem sido provada através de investigações imparciais na Índia.
A doutrina da reencarnacão explica muitas coisas que caso contrário não podem ser explicadas. Por exemplo, a genialidade de uma criança prodigiosa como Mozart não pode ser explicada apenas pela hereditariedade e pelos genes. Apenas a doutrina da reencarnacão pode explicar tal fenômeno satisfatoriamente, pois tal prodígio deve ter sido um músico brilhante em sua vida anterior, que trouxe consigo tal talento para esta encarnação.
Em resposta à pergunta, “Porque uma pessoa reencarna?” O hinduísmo diz que os desejos não satisfeitos das pessoas que partem, são os principais responsáveis por seus renascimentos, e para entender essa posição, a pessoa deve conhecer o ponto de vista do hinduísmo em relação à morte e ao que está além.
OS CORPOS DENSOS E SUTIS DO HOMEM
De acordo com o hinduísmo, o homem tem dois corpos, um denso e um sutil. O corpo denso é o corpo físico, e o corpo sutil consiste da mente, do intelecto, dos órgãos dos sentidos, dos órgãos motores e da energia vital. Os olhos físicos, os ouvidos, o nariz, a língua e a pele não são considerados como verdadeiros órgãos dos sentidos, mas sim instrumentos usados pelos sentidos da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato, para estabelecer contato com o mundo externo. Os verdadeiros órgãos dos sentidos são extremamente sutis.
A MORTE E OS LOKAS
OS DIFERENTES PLANOS DE EXISTENCIA
Quando uma pessoa morre, o seu denso corpo físico é deixado para trás, e a alma, com o corpo sutil consistindo da mente, do intelecto, da energia vital, dos órgãos motores e dos sentidos, vai para um diferente plano de existência. Tal plano de existência, em sânscrito, chama-se loka. Além do plano terreno, que chama-se Bhūrloka, existem inumeráveis outros planos. Esses são mundos de diferentes tipos de vibração, que embora ocupem o mesmo espaço, não estão nem acima e nem abaixo em relação a este plano terreno, tendo assim, a mesma existência espacial.
Não é possível produzir uma exaustiva lista dos lokas, porque esses são inumeráveis. Mesmo assim, o hinduísmo fala a respeito de quatorze lokas, incluindo este plano terreno (Bhūrloka). Os lokas são: Satyaloka, Tapoloka, Maharloka, Janaloka, Svarloka, Bhuvarloka, Bhūrloka, Atalaloka, Vitalaloka, Sutalaloka, Rasātalaloka, Talātalaloka, Mahātalaloka e Pātālaloka. Entre esses lokas, considera-se os seis primeiros os mais elevados, superiores, enquanto que os sete restantes são considerados lokas inferiores. Os adjetivos, superior e inferior, neste contexto são usados de acordo com as condições encontradas em Bhūrloka. Nos lokas superiores, em ordem ascendente, existe mais e mais desfrute e bem-aventurança espiritual quando comparados ao que normalmente é encontrado neste plano terreno. Similarmente, nos outros lokas, em ordem descendente, existe mais e mais sofrimento. Todas essas felicidades e sofrimentos são experiênciadas através da mente, pela alma que partiu, e é o grau de pureza de tal mente que determina para onde a alma e o corpo sutil vão. A alma vai para um loka mais elevado, ou relativamente inferior, de acordo com a sua pureza mental. A alma desencarnada permanece em um desses lokas por um determinado período de tempo, sofrendo ou desfrutando, o que é determinado pelo karma passado.
O DESEJO INSATISFEITO
CAUSA REENCARNAÇÃO
Quando uma pessoa morre com um forte desejo insatisfeito que só pode ser satisfeito na terra, a sua mente – enquanto a pessoa está no outro plano – anseia intensamente pela realização de tal desejo. Esse desejo insatisfeito finalmente a traz de volta para a terra, assim causando o seu renascimento, ou reencarnacão. Uma analogia pode explicar mais claramente. Suponhamos que uma pessoa goste muito de um certo prato exótico que é servido por um restaurante exclusivo na cidade onde ela vive. Mas o restaurante fica à dez quilômetros de sua casa. Um dia, um grande anseio surge por tal prato, e esse grande desejo leva-a a entrar em seu carro e dirigir por dez quilômetros até aquele restaurante. Dessa mesma maneira, uma alma desencarnada que anseia por satisfazer algum desejo insatisfeito, é trazida de volta até que o desejo seja satisfeito.
REENCARNAÇÃO
UMA OPORTUNIDADE PARA PROGREDIR ESPIRITUALMENTE
A reencarnacão também proporciona uma oportunidade para que a pessoa gradualmente evolua espiritualmente, através das várias valorosas experiências que ela adquire nas diversas encarnações. Finalmente ela atinge o objetivo de seu progresso espiritual através da realização de Deus. Depois de realizar Deus, ela vai além de todos os desejos porque agora nada lhe falta. Transcendendo a corrente de repetidos nascimentos e mortes. Tal pessoa é chamada de uma alma liberada.
A TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS
A idéia da transmigração das almas está também presente no hinduísmo. De forma geral, a alma humana evolui de encarnação em encarnação, e é normal que uma alma humana nasça repetidamente apenas em corpos humanos até que atinja a liberação. Podem existir casos raros em que a alma humana nasce por uma ou duas vezes numa forma subumana, para assim resolver karma ruim. Quando esse karma ruim é resolvido, a alma novamente encarna em um corpo humano e passa pelo processo de gradual evolução espiritual.
A REENCARNAÇÃO
E A IDÉIA DE EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES
Aqueles que não aceitam a idéia da reencarnacão, às vezes argumentam que o número total de seres humanos deveria ter diminuído porque tantos seres humanos foram liberados da morte e do renascimento desde o início da criação. Mas o hinduísmo refuta tal objeção ao afirmar que muitos seres subumanos, através do curso evolutivo, estão nascendo como seres humanos. Consequentemente o numero de seres humanos está crescendo. O hinduísmo também afirma que a divindade está presente em toda alma, seja num corpo humano ou subumano. Caso contrário isso contradiria a onipresença de Deus.
Patanjali, o autor do sistema filosófico religioso da yoga, fala a respeito da transformação de uma espécie em outra. Em sânscrito chama-se jātyantara-parināma. De acordo com Patanjali, uma espécie tem a habilidade potencial de evoluir e tornar-se uma outra espécie quando as mudanças de circunstâncias criam um ambiente favorável para tal evolução.
XII
A ÉTICA HINDU
INTRODUÇÃO
A fundação da ética hindu é o ensinamento védico de que Deus (Brahman) e o Ser interior do homem são um e o mesmo. Por detrás do homem psicofísico, está o Ser, que é divino. Ayam ātmā Brahma – “Este Ser é Brahman”, é o ensinamento fundamental das escrituras hindus.
O Ser forma o âmago do ser do homem, e é diferente do seu corpo físico, da sua energia vital, dos sentidos e da mente. O ego do homem não é esse Ser. O ego, ou a noção do Eu, é apenas uma idéia, é puramente mental, e sendo mental, não pode ser o Ser. Esse Ser do homem, em sânscrito chama-se Ātman.
Se Brahman fosse comparado a um oceano infinito, então o Ātman seria uma onda no oceano. O oceano nunca é diferente de suas ondas, e as ondas nuca são diferentes do oceano. Ambos são uma mesma coisa. É o Ātman que se torna este universo multifacetado. Se eu machuco alguém, na verdade machuco a mim mesmo, portanto não devo ferir ninguém, e essa realização é a base da ética hindu.
O Īsha Upanishad diz com grande beleza, “Aquele que vê todos os seres no Ser, e o Ser em todos os seres, não odeia ninguém.” A possibilidade de odiar os outros, existe apenas quando não estamos cientes dessa unidade. O Brihadāranyaka Upanishad encontra-se um dialogo entre o sábio Yājnavalkya e a sua virtuosa esposa, Maitreyī. Durante o diálogo, Yājnavalkya diz que, estar ciente do Ser em todos, torna-os queridos para nós. A meta espiritual do hinduísmo é experienciar esse Ser divino dentro e fora de nós.
DHARMA OU DEVERES RELIGIOSOS
A Palavra dharma tem um papel muito importante na ética hindu. Dharma geralmente significa religião, mas também significa deveres morais e éticos. Uma das definições de dharma diz “Dhārayati dharma ity āhu” - “o que quer que sustente é dharma.” O Ser divino é a própria fundação do nosso ser, e é isso que nos sustenta. Portanto, de acordo com tal definição, o significado mais elevado da palavra dharma é o Ser divino no homem, o Ātman.
No entanto, no que diz respeito a prática diária da moralidade e da ética, dharma tem um significado relativamente menor no hinduísmo. Na vida mundana existem diferentes tipos de dharma, tais como o vyakti-dharma, ou o dharma do indivíduo, o pārivārika-dharma, ou o dharma para com a família, o samāja-dharma, ou o dharma para com a sociedade, rāshtra-dharma, ou o dharma para com a nação, e o mānava-dharma, ou o dharma para com a humanidade.
A observância dos princípios éticos e morais, sustentam a mente de um indivíduo. Seguir as regras de saúde e higiene sustentam o seu corpo físico. Tais observâncias à nível individual constituem vyakti-dharma. Existem também outras observâncias que também estão na categoria de vyakti-dharma:
. Dama – controle dos órgãos externos
. Ārjava – ser sempre objetivo
. Ahimsā – abstenção da injuria de todas as formas de vida
. Akrodha – ausência de raiva
. Satya – verdade em pensamento e em palavras
. Brahmacharya – controle dos desejos e paixões carnais
. Tyāga – renúncia do egoísmo
. Apaishuna – abster-se da difamação e do falar mal
. Aloluptva – não cobiçar
. Aparigraha – não aceitar presentes desnecessários
. Hrī – modéstia
. Mārdava – gentileza
. Dayā – bondade e compaixão
. Shānti – paz mental alcançada através do controle da mente
. Kshamā – perdão
. Shaucha – purificação do corpo e da mente
. Adroha – estar livre da malícia
São os indivíduos que formam uma família, e é pelo bem estar do indivíduo que a família deve ser sustentada. Os códigos de conduta que são seguidos por indivíduos, previnem a deterioração da família e chamam-se pārivārika-dharma. A base do dharma para com a família é o auto-sacrifício e o respeito. As afirmações nos Upanishads tais como “Trate a sua mãe como uma deusa” e “Trate o seu pai como um Deus”, estão incluídas nos códigos do dharma para com a família. Se as famílias não sobrevivem, os indivíduos não sobrevivem.
As famílias formam a sociedade, e se a sociedade se desintegra, as famílias não podem sobreviver. Por isso, indivíduos devem observar os códigos de conduta e assim manter a sociedade integrada. Isso é o samāja-dharma. Os vários tipos de auto-sacrifício para sustentar a sociedade são a base do dharma para com a sociedade. A prática da não-violência, não roubar, a veracidade, evitar falar uma verdade que machuque, controlar a raiva, o controle das paixões inferiores, a prática da caridade e da bondade para todos, não falar pelas costas, a prática da hospitalidade etc. constituem o samāja-dharma.
Se a nação se desintegra, a sociedade não pode sobreviver. Indivíduos devem de alguma forma se sacrificar pelo seu país, para que a sua existência se sustente. Isso chama-se rāshtra-dharma, ou o dharma para com a sociedade.
Se a humanidade não sobrevive, é impossível para as nações sobreviverem. Os indivíduos, portanto, devem comportar-se de maneira que conduza ao sustento da humanidade. Tal comportamento está incluído na categoria mānava-dharma, e também consiste do auto-sacrifício.
Todos esses dharmas são como círculos concêntricos que tem em seu centro o indivíduo, que está seguindo tais dharmas. Um hindu ideal, supõe-se, observa todos esses dharmas. Essa é uma tarefa difícil, mas é apenas seguindo um ideal elevado que a vida torna-se nobre e significativa. O auto-sacrifício é o denominador comum de todos esses dharmas.
· ilustração/diagrama – Os níveis de Dharma
A sobrevivência do indivíduo não é possível sem o auto-sacrifício, e tal auto-sacrifício é na verdade auto-suficiência e auto-preservação, não auto-privação.
AS CINCO DÍVIDAS OU PANCHA
RINA
De acordo com o hinduísmo, o homem tem cinco dívidas: (1) deva-rina, ou débito para com Deus, (2) rishi-rina, ou o débito para com os sábios, (3) pitri-rina, ou o débito para com os seus ancestrais, (4) nri-rina, ou débito para com a humanidade, e (5) bhūta-rina, ou débito para com os seres subumanos. Um hindu deve pagar essas cinco dívidas através da prática de certos deveres morais ordenados pelas escrituras. A ética hindu acredita que todas as forma de vida pertencem à um só ecosistema, e o homem não pode existir sem levar em consideração tais dívidas para com os outros seres humanos e formas de vida na terra. Todas as vidas são interdependentes, e um não pode sobreviver sem a sobrevivência dos outros. A destruição arbitraria da vida, seja ela humana ou subumana, não é permitida pelo hinduísmo. Uma das escrituras do hinduísmo diz que um indivíduo deve manter um comportamento ético desde o início, no ventre da mãe, até a morte.
DEUS É O SUSTENTÁCULO DA
MORALIDADE
Os Vedas também declaram Deus como sendo o criador e o sustentáculo da rita, a eterna ordem moral. O universo inteiro é controlado pela rita. Todas as leis que mantém a ordem deste universo e de outros mundos sutis, estão incluídas em rita. Ninguém neste universo pode escapar dessa lei moral. Portanto, o hinduísmo considera Deus como sendo a própria fundação da ética e da moralidade.
XIII
O RELACIONAMENTO
ENTRE GURU E DISCÍPULO
Na tradição hindu, um mestre, seja ele de educação espiritual ou secular, é merecedor de grande respeito. O mestre espiritual, que é chamado de guru, recebe grande respeito e veneração de um estudante. A palavra “guru” significa “aquele que dissipa a escuridão espiritual”, podendo ser usada também para designar um professor de educação secular.
Um aspirante espiritual deve ter shraddhā por seu guru. No atual contexto, a palavra shraddhā tem dois significados: (1) autoconfiança e (2) fé implícita nas palavras do guru. O Bhagavad Gītā diz, “Aquele que tem shraddhā, atinge o conhecimento”, significando que um estudante deve ter confiança que enquanto guiado por seu mestre, ele terá sucesso. Ele também deveria ter fé implícita nos ensinamentos de seu mestre.
Vários Upanishads, épicos e lendas, insistem na necessidade de shraddhā. O Chhāndogya Upanishad conta-nos a estória de Satyakāma para ilustrar isso. Quando menino, Satyakāma foi para o lar de seu mestre para viver e estudar, mas o seu mestre Gautama não deu nenhuma aula. Ao invés disso, ele deu para Satyakāma, quatrocentas vacas magras e doentes, e pediu que tomasse conta delas. Satyakāma tinha shraddhā e fé implícita em seu guru, e cumprindo de bom grado tal ordem de seu mestre, o menino conduziu o gado em direção a floresta. Ele viveu na floresta por muitos anos tomando conta do gado, até que seu número aumentou para mil cabeças.
Então, coisas estranhas começaram a acontecer. O touro do gado se aproximou de Satyakāma, e falando como um humano, lembrou-o de levar o gado de volta para o lar de seu mestre. O touro também ensinou Satyakāma a respeito de Brahman. Durante o seu retorno, Satyakāma recebeu do fogo que acendeu à noite, mais ensinamentos a respeito de Brahman, e depois de um cisne e de um peixe, que deram a Satyakāma ensinamentos similares.
Finalmente o rapaz chegou ao lar de seu mestre, e assim que Gautama pôs seus olhos em Satyakāma, disse: “Meu filho, o seu rosto brilha como o de alguém que é um conhecedor de Brahman. Por favor diga-me quem te ensinou.” O rapaz respondeu: “Eu fui ensinado por outros seres que não o homem, mas também gostaria que você me ensinasse, porque ouvi dizer que apenas os ensinamentos do próprio guru podem levar o estudante ao bem supremo.” Então Gautama concedeu a Satyakāma os mesmos ensinamentos que o rapaz havia adquirido de fontes não humanas. Essa estória traz a mensagem de que o conhecimento mais elevado chega ao estudante que tem shraddhā por seu mestre.
O grande épico Mahābhārata traz uma estória parecida a respeito de um menino nishāda chamado Ekalavya, que queria aprender a arte do arco e flecha com Drona, um dos maiores mestres arianos de artes marciais na antiga Índia. Porque era contra os costumes dos arianos, ensinar os segredos de guerra para os banidos, Drona recusou-se a aceitar Ekalavya como seu discípulo. Não obstante, Ekalavya aceitou Drona mentalmente como seu professor. Ele construiu uma estátua de Drona na floresta, e com intensa shraddhā por seu guru, começou a praticar a arte do arco e flecha na frente da estátua e sem a ajuda de ninguém. Depois de alguns anos, pela virtude de sua shraddhā, Ekalavya se tornou tão bom arqueiro que chegou a superar o príncipe Arjuna, que era o melhor aluno de Drona.
Nem todo s podem ser um guru. Apenas uma pessoa com uma vida exemplar e elevados sucessos espirituais pode ser um guru. Caso contrário, ele não será capaz de ajudar o estudante. O estudante deve seguir as instruções do mestre e esforçar-se sinceramente para alcançar a mete de sua vida espiritual.
Um verdadeiro mestre espiritual nunca cobra qualquer dinheiro pela orientação que dá a um estudante. Um mestre que viola essa sagrada e honrada tradição do hinduísmo apenas traz desgraça para si mesmo e para sua religião.
XIV
DOIS DIFERENTES
CAMINHOS ESPIRITUAIS
INTRODUÇÃO
Como foi mencionado externamente, o objetivo último da vida humana, de acordo com o hinduísmo, é a realização de Deus. O hinduísmo afirma que ambos, chefes de família e monges, podem realizar Deus se seguirem sinceramente o seu próprio ideal espiritual. Muitos dos sábios espiritualmente iluminados da antiga Índia , tais como Ashvapati e o Rei Janaka eram chefes de família.
O hinduísmo oferece dois principais caminhos espirituais, ou conjunto de deveres – um para os chefes de família e o outro para os monges. O caminho para os chefes de família chama-se Pravritti Mārga, ou “o caminho dos desejos sensuais permitidos”. O caminho para os monges é o Nivritti Mārga, ou “o caminho da renuncia dos desejos sensuais”.
PRAVRITTI MĀRGA
O CAMINHO DOS DESEJOS
SENSUAIS PERMITIDOS
De acordo com o Mahānirvāna-Tantra, os seguintes são os deveres para um chefe de família. Incluídos na categoria do Pravritti Mārga.
O objetivo de um chefe de família é realizar Deus, e para alcançar tal objetivo, a pessoa deve cumprir todos os seus deveres de acordo com as escrituras. Ela deve constantemente trabalhar entregando os frutos de suas ações a Deus, ganhando honestamente o seu sustento e recordando-se de que a sua vida é para servir a Deus e aos pobres e desamparados. A pessoa deveria sempre tentar agradar os seus pais, vendo-os como tangíveis representantes de Deus. Na presença de seus pais, um chefe de família não deve fazer piadas, ser fútil e demonstrar raiva. Se seus pais chegam quando ela está sentada, a pessoa deve se levantar demonstrando respeito e honra, e deve sentar-se apenas quando seus pais pedirem para que o faça.
Um chefe de família não deve comer sem antes alimentar os seus pais, sua esposa e filhos, e os pobres. A pessoa deve submeter-se a milhares de problemas para servir os seus pais, porque não deve se esquecer que deve o seu corpo a eles.
Ele nunca deveria repreender ou machucar os sentimentos de sua esposa, ou demonstrar raiva em relação a ela. Ele deveria sempre cuidar dela como se ela fosse a sua própria mãe. Ele vai para o inferno mais profundo se desejar, mesmo que mentalmente, uma outra mulher. Ele deve sempre agradar a sua esposa com dinheiro, roupas, amor, lealdade, e palavras doces. Nunca fazendo qualquer coisa que possa feri-la. Um homem que sucedeu em conseguir o amor de esposa casta, de fato tem as bênçãos de sua religião e adquiriu todas as virtudes.
Um chefe de família nunca deveria usar linguagem imprópria na presença de mulheres e nunca deveria vangloriar-se por seus sucesso. Ele não deve dizer, ”Eu fiz isso , Eu fiz aquilo.” Não deve falar em público a respeito da própria fama, nem vangloriar-se de sua riqueza, poder ou posição. Ele também não deveria falar a respeito de sua pobreza, nem divulgar para os outros, o que alguém o confidenciou.
Ele não deveria dar excessiva atenção a comida, roupas ou a sua aparência externa. Ele deveria manter a limpeza de seu corpo, e seu coração deve ser puro. Ele deveria sempre ser entusiástico e ativo, deveria ser corajoso e deveria como um herói, lutar para conter os seus inimigos. Ele não deveria agir como um covarde, e racionalizara sua covardia falando a respeito de não resistência e não violência. Para com seus amigos e parentes, ele será gentil como um cordeiro.
Estes serão os seus deveres para com os seus filhos:
Ele deveria amorosamente criar o sue filho até que tenha quatro anos. O filho então, deveria ser apropriadamente educado até que complete dezesseis anos de idade. Quando o seu filho tiver vinte anos de idade, ele deveria estar empregado e ser ratado por seu pai com igualdade Uma filha também deveria ser tratada e educada da mesma maneira, e na época de seu casamento, o pai deve presentea-la com jóias e dinheiro.
Um chefe de família deveria também cuidar de seus irmãos e irmãs, e de seus filhos, caso sejam muito pobres. Ele tem deveres similares para com seus outros parentes, amigos e empregados, e também para com as pessoas de seu próprio vilarejo. Se um chefe de família for rico e ainda assim não ajudar os seus parentes necessitados e pobres, ele é considerado um bruto e não um ser humano.
Um chefe de família nunca deve demonstrar respeito ao maldito, e nem concordar com o mal. Ele deveria respeitar todos que são bons e dotados de qualidades nobres. Ele deveria cultivar amizade apenas com aqueles que são de confiança, e antes de cultivar tais amizades, ele deveria julga-los cuidadosamente de acordo com como eles lida com as outras pessoas.
Ele deveria esforçar-se sinceramente e honestamente para adquirir um bom nome. Ele deveria falar a verdade, e as suas palavras deveram ser agradáveis e benéficas para os outros. Ele não deve jogar jogos de azar, e também não deve causar problemas para os outros.
Um chefe de família que não se esforça para enriquecer por meios honestos está faltando com o seu dever mora. Se ele for preguiçoso e levar uma vida à toa, ele deveria ser considerado um imoral. Ele deve ter o entusiasmo para ganhar dinheiro, e assim poder ajudar aqueles que dependem dele.
Um chefe de família deveria se envolver em trabalhos de serviço social para o benefício das pessoas. Ele deveria escavar poços e prover água para beber e para irrigação, deveria plantar grandes árvores e sombra para os pedestres na beira da estrada, construir abrigos para os viajantes, e construir estradas e pontes. Tais ações não egoístas vão ajudar o chefe de família a alcançar o mesmo objetivo espiritual do maior dos yogues.
NIVRITTI MĀRGA
O CAMINHO DA RENÚNCIA DOS
DESEJOS SENSUAIS
O caminho para os monges que renunciaram a tudo, Nivritti Mārga, é bastante diferente daquele dos chefes de família. Um monge, celibato, deveria ser física e mentalmente puro. Ele deveria respeitar todas as mulheres, enxergando-as como se fossem a sua própria mãe. Seguindo a antiga tradição, ele deveria manter o seu corpo, pedindo comida dos chefes de famílias, viver uma vida de simplicidade e passar a maior parte de seu tempo na contemplação de Deus e estudando as escrituras. Ele não deve Ter lar, riqueza ou propriedade. Ele deveria viver numa cabana, num templo ou debaixo de uma árvore. Ele deve ser verdadeiro, não violento, de mente serena, e cheio de compaixão para com todos os seres. Ele nunca deve visitar um rei ou dignitários, e se eles quiserem vê-lo, devem vir até ele e serão tratados com a mesma bondade que todos recebem. Ele deveria Ter o mesmo bom comportamento com todos, sejam ricos ou pobres, bons ou maus. Ele deve ser indiferente ao elogio, acusação, prazer ou dor. A sua única meta na vida deveria ser a realização de Deus.
XV
AS QUATRO YOGAS
INTRODUÇÃO
Além do Pravritti Mārga e do Nivritti Mārga, discutidos no capítulo anterior, o hinduísmo fala de muitos caminhos diferentes para alcançar Deus. Desses, quatro são considerados os caminhos principais: (1) Bhakti Yoga – o caminho da devoção, (2) Jnāna Yoga – o caminho do questionamento racional, (3) Rāja Yoga – o caminho da concentração mental e (4) Karma Yoga – o caminho da ação correta. A palavra em sânscrito, yoga, significa unir – “união” entre o aspirante espiritual e Deus. Yoga também significa um método ou técnica para se estabelecer uma união mental com Deus.
De acordo com o hinduísmo, todas as pessoas se encaixam em quatro vastas categorias: (1) a pessoa emocional, (2) a pessoa racional, (3) a pessoa meditativa e (4) a pessoa habitualmente muito ativa. Bhakti Yoga é adequada para a pessoa emocional, Jnāna Yoga para a pessoa racional, Rāja Yoga é adequada para a pessoa meditativa e Karma Yoga, prescrita para pessoas naturalmente inclinadas a atividade.
BHAKTI YOGA
O CAMINHO DA DEVOÇÃO
Este caminho permite que a pessoa emocional tenha uma visão direta do Deus pessoal ou Īshvara. A emoção, amor, que é abundantemente disponível em todos, é habilidosamente usada como um meio para ter-se a visão de Deus. O amor nos seres humanos, geralmente está presente como “amor egoísta”. Se tal amor egoísta puder ser sublimado e direcionado em direção a Deus, torna-se um meio efetivo para a realização de Deus. A história Hindu e as lendas contam-nos a respeito de tais acontecimentos.
Na sua juventude, Tulsīdās, um famoso santo hindu, era apaixonadamente apegado a sua jovem esposa. Ele a amava com todo o seu coração e alma, e nem por um dia conseguia ficar longe dela. Sua esposa, a muito tempo não via os seus pais e estava ansiosa para visita-los, embora Tulsīdās não a permitisse.
No entanto, um certo dia quando Tulsīdās deixou sua aldeia para cumprir uma tarefa, a sua esposa, sem informar ao seu marido, foi até a casa de seus pais numa aldeia vizinha. Tulsīdās ficou sabendo disso logo que retornou a aldeia e foi então a casa do seu sogro para encontrar-se com a sua esposa. Ela ficou extremamente envergonhada com isso, e disse para ele: “Você deveria ter vergonha! Você não consegue ficar longe de mim nem por um dia! Fosse você apegado a Deus tanto o quanto é apegado a mim, talvez você já O tivesse visto.” Essas palavras machucaram os sentimentos de Tulsīdās tanto, que ele imediatamente deixou a sua mulher e jamais voltou para casa. Ele tornou-se um monge e um apaixonado amante de Deus. Com o tempo ele foi abençoado com a visão de Deus e tornou-se um santo.
A vida de Tulsīdās é um belo exemplo de como o amor egoísta e apaixonado, pode ser sublimado e transformado num meio para atingir a realização de Deus. Tal técnica de transformação do amor mundano em amor divino, chama-se Bhakti Yoga.
A Bhakti Yoga consiste em manter a pureza física e mental (shaucha), a prece (prārthanā), a repetição do nome santo de Deus (japa), cantar canções devocionais (gīta), e a adoração a Deus (pūjā ou upāsanā).
Adorações são de dois tipos: (1) a adoração ritual externa, e (2) a adoração mental. A adoração mental é um tipo de meditação e é considerada superior a adoração ritual, embora seja mais adequada àqueles que já progrediram adequadamente na vida espiritual. A adoração ritual é adequada para os iniciantes, e imagens e símbolos sagrados são usados.
A repetição do santo nome de Deus, ou japa, é feita de várias formas. Quando ela é audível e o santo nome é pronunciado corretamente, chama-se vāchika japa. Quando a repetição é feita apenas com o movimento dos lábios, sem que ninguém mais ouça, chama-se upāmshu japa. O terceiro tipo de repetição é feita mentalmente, sem movimento dos lábios, e chama-se mānasa japa. Entre essas três, considera-se a terceira superior a segunda, que por sua vez é considerada superior a primeira.
Encoraja-se o desenvolvimento de atitudes mentais especiais que criam um sentimento de intimidade com Deus. Tais atitudes são Shānta, uma atitude serena e desapaixonada, Dāsya, a atitude de um servidor, Sakhya, a atitude de um amigo, Vātsalya, a atitude de uma mãe em relação a seu filho, e Madhura, a doce atitude d esposa em relação a seu marido. Qualquer uma dessas atitudes ajuda o aspirante a desenvolver um sentimento de intimidade com Deus. Essas cinco diferentes atitudes espirituais, diferem umas das outras de acordo com a intensidade e a qualidade do amor associado a elas.
Na atitude serena, ou shānta, a intensidade do amor é menos pronunciada. O devoto não quer nenhum relacionamento pessoal com Deus, mas ainda assim quer conhece-LO através do singular anseio de seu coração. Na atitude de serviço, ou dāsya, o devoto se comporta como um servidor de Deus, que através de seu amoroso serviço, quer agrada-LO. Entretanto, enquanto servidor, a pessoa naturalmente mantém alguma distância entre ela e Deus. Na atitude sakhya, ou a atitude amistosa, o relacionamento entre o devoto e Deus é muito mais íntima. Nela, o devoto ama a Deus, vendo-O como um amigo querido, e ao mesmo tempo espera o amor reciproco de Deus. A atitude vātsalya, ou atitude materna, a devota vê Deus como um filho, e como uma mãe, banhando-O com todo o seu amor e afeto, não esperando nada de Deus. Na atitude madhura, ou atitude de doçura, o devoto ama a Deus com um amor tão intenso quanto o da fiel e amorosa esposa para com o seu marido. O leitor deveria claramente entender que em tal atitude, a pessoa não está ciente do corpo dele ou dela, ou de sexo. Esse é um relacionamento inteiramente espiritual.
Além dessas atitudes, o devoto também pode ver Deus como sendo seu pai ou mãe. Muitos dos grandes santos de Bengala, tais como Rāmprasād, Kamalākānta, e Srī Rāmakrishna, mantiveram esta atitude e viam Deus como a Mãe Divina.
Com a ajuda dessas atitudes espirituais, e seguindo as outras disciplinas da Bhakti Yoga, o amor do devoto por Deus, amadurece muito mais. Tal amor gradualmente purifica a mente e o capacita de ter a visão do Deus pessoal ou Īshvara.
JNĀNA YOGA
O CAMINHO DO QUESTIONAMENTO
RACIONAL
De acordo com um autor norte americano, um teólogo que pertence a igreja episcopal, “as pessoas mais criativas, construtivas e cheias de idéias, não tem muito envolvimento com igrejas. Para elas, os cânones da razão vêm primeiro, tornando a fé em algo secundário e questionável.” São especialmente essas pessoas que podem beneficiar-se com a Jnāna Yoga. Tal pessoa pode dizer, “Eu não posse aceitar as coisas apenas através da fé, e tenho dificuldade em acreditar no que os santos e os profetas dizem. Como eu posso ter certeza de que eles não estão iludidos ou enganados? Não posso acreditar em Deus porque ainda não O experienciei ou O conheci. Além disso, eu nem tenho certeza de que este mundo existe, porque esta coisa toda pode ser apenas uma ilusão ou uma projeção mental minha.”
A Jnāna Yoga tentará resolver tais dúvidas dizendo, “Você duvida da existência deste mundo, e você também duvida das experiências dos santos e dos profetas. O seu raciocínio pode duvidar de suas existências ou experiências, mas você não pode negar a sua própria existência enquanto aquele que duvida. Assim, enquanto aquele que duvida, você deve existir. Mas quem é você de fato? Será que você é o seu corpo físico, a sua energia vital, os seus sentidos ou sua a mente? Pois você não pode negar estar ciente de que os têm. O ‘proprietário’ e a ‘propriedade’ não podem ser a mesma coisa, devendo ser diferentes um do outro. Portanto, você não é o seu corpo físico, energia, sentidos ou mente, sendo diferente de todas essas coisas. Tente saber a sua verdadeira identidade, tente saber quem você realmente é.”
A primeira instrução da Jnāna Yoga é “Ātmānam viddhi”, ou “conhece-te a ti mesmo”. Essa instrução baseia-se no fundamental ensinamento dos Vedas, de que tudo neste universo é divino. E a divindade, estando presente em todos os lugares, deve também estar presente em todos os seres humanos. O verdadeiro Ser do homem, ou o seu Espírito interior, é a divindade e o próprio âmago do nosso ser, ou existência. Esse verdadeiro Ser não é o ego. De acordo com o hinduísmo, o ego, ou a noção do “Eu” é puramente mental, é apenas uma idéia. O verdadeiro Ser do homem, ou o Espírito interior é diferente do seu ego. A meta do estudante da Jnāna Yoga é ganhar 100% de convicção de que o seu verdadeiro Ser é divino.
Primeiramente, o estudante deve passar por algumas disciplinas preparatórias, tais como a observância de praticas éticas e morais, para assim fortalecer a vontade, ou os músculos mentais. Então, ele deve purificar a sua mente através do trabalho não egoísta. Uma vez que a mente do estudante tenha sido purificada, o mestre espiritual pede que o estudante medite na divindade do seu verdadeiro Ser interior.
Para que possa seguir as instruções do seu mestre, o estudante deve passar por três estágios: (1) Shravana, (2) Manana e (3) Nididhyāsana. Shravana significa “escutar”. O estudante deve escutar a verdade última a respeito do seu Ser, dita por seu próprio mestre. O mestre diz ao estudante, “Tat tvam asi”, que significa, “Você é aquela realidade divina”, ou “Você é Deus.”
O estudante deve ter uma fé implícita (shraddhā ) nas palavras de seu mestre. A pureza mental adquirida pelo estudante através das práticas espirituais preliminares, habilita-o a ter tal fé, e consequentemente ele diz para si mesmo, “O meu mestre disse que eu sou divino, mas a minha experiência é a de que sou um mortal, com poder e conhecimento limitados. Eu não sinto que eu seja eterno, onisciente, onipotente e onipresente. Como posso eu ser divino? Mas as palavras do meu mestre não podem ser falsas. Deve haver algo em mim que é divino. Deixe-me tentar encontrar. Obviamente o meu corpo não é divino, porque é transiente e sujeito a decadência e a morte. A minha energia vital também não deve ser divina porque é limitada e finita, e pela mesma razão, a minha mente também não pode ser divina.
Através desse processo mental, o estudante tenta negar tudo que não é divino nele mesmo. Tal processo de negação chama-se neti (lit. “isto não”) em sânscrito. Gradualmente a sua contemplação torna-se mais e mais profunda até que finalmente ele chega ao seu Ser divino, que encontra-se no âmago do seu próprio Ser.
Nesse estágio, a pessoa já não está consciente de seu corpo físico ou do mundo exterior. É como se a sua mente e o seu ego derretessem no infinito oceano de divindade em seu interior. Diz-se então que a mente está em Nididhyāsana, ou nirvikalpa samādhi. Através desse samādhi, a pessoa a experiencia a sua identidade com o Deus impessoal, ou Nirguna Brahman. Conhecer a sua identidade divina, ou Ser divino, é a verdade última que o estudante da Jnāna Yoga experimenta através do nirvikalpa samādhi, ou Nididhyāsana, no final da sua busca espiritual.
Existe entretanto, um estado inferior de samādhi, chamado de savikalpa samādhi, onde o ego do meditador permanece muito subtilmente.
RĀJA YOGA
O CAMINHO DA CONCENTRAÇÃO
MENTAL
Os oito passos da Rāja Yoga
A Rāja Yoga é mais adequada para com uma tendência natural de explorar e conhecer a sua própria mente, para assim ganhar total maestria sobre ela. O fundador dessa yoga é o conhecido sábio Patanjali. A Rāja Yoga é geralmente chamada de yoga, ou Kriyā Yoga. As disciplinas da Rāja Yoga consistem de oito passos: (1) yama, coibição interior, (2) niyama, cultivo de bons hábitos, (3) āsana, postura, (4) prānāyāma, a arte de controlar a respiração, (5) pratyāhāra, retirar-se dos sentidos, (6) dhāranā, fixar a mente num objeto escolhido, (7) dhyāna, meditação e (8) samādhi, intensa concentração mental.
O yama, ou coibição interior, consiste em abster-se da violência, da falsidade, de roubar, de entregar-se as paixões ou desejos carnais, e de aceitar presentes desnecessários de outras pessoas.
O Niyama consiste em cultivar bons hábitos, tais como manter o corpo e a mente limpos, contentamento, austeridade, regularidade no estudo de livros religiosos, e submissão a Deus.
O Āsana significa posturas para sentar-se para a meditação ou contemplação prolongadas. A Rāja Yoga prescreve várias posturas para esse propósito.
O Prānāyāma, ou controle da respiração, é um tipo de respiração rítmica que ajuda a acalmar e concentrar uma mente inquieta. Consiste em inspiração, retenção da respiração e exalação, tudo feito de acordo com as técnicas que só pode ser aprendidas de mestres expertos em Rāja Yoga. Prānāyāma, se não for praticada sob a direção de um mestre capacitado, pode causar irreparáveis danos físicos e mentais àquele que pratica.
O Pratyāhāra é a arte de retirar os sentidos e a mente dos objetos externos.
O Dhāranā é a arte de fixar a mente, por um curto período de tempo, ao objeto de contemplação escolhido.
O Dhyāna, ou meditação, é um estado mais maduro do dhāranā. Quando a mente está concentrada no objeto da contemplação, sem qualquer pausa ou distúrbio, por um longo período de tempo, chama-se dhyāna. Em ambos, dhāranā e dhyāna, a mente do meditador permanece distinta do objeto de meditação. Dhyāna no seu estágio mais elevado de maturidade, chama-se Samādhi.
O Samādhi é o estado de mais intensa concentração mental no objeto de contemplação. O meditador pode ter tipos diferentes de samādhi, um superior ao outro, por causa dos vários níveis de concentração mental.
Um samādhi relativamente inferior chama-se samprajnāta samādhi, e o poder de controlar a natureza vem para a pessoa que atinge tal samādhi. Nesse samādhi, o ego do meditador permanece.
No tipo mais elevado de samādhi, chamado de asamprajnāta samādhi, o ego desaparece completamente, e em tal estado de concentração mental, a mente se perde e desfaz-se no objeto da sua contemplação. Já não esta mais ciente de uma existencia independente. Em outras palavras, a mente fica sem pensamentos. Esse samādhi é a meta da Rāja Yoga.
De acordo com a Rāja Yoga, a mente impura e descontrolada de uma pessoa, pode ser comparada a um lago com muitas ondulações. A sua água não é clara porque tem muitas impurezas, no fundo do lago há uma poderosa luz. Nessa analogia em particular, as ondas são os pensamentos, a água turva é a impureza da mente, e a fonte de luz no fundo do lago é a alma, ou o Ser divino interior da pessoa.
A luz do Ser interior não é visível na superfície por causa da água turva e das numerosas ondas no lago. Se o lago puder estar livre das ondas, e a sua água livre das impurezas, a luz no fundo vai brilhar. Em outras palavras, o Ser divino da pessoa se manifesta em toda a sua glória, quando a sua mente pura e livre de todos os pensamentos. A meta da Rāja Yoga é a de criar tal estado mental. Esse estado mental chama-se asamprajnāta samādhi. Qualquer um que tenha sido capaz de atingir esse samādhi, atingiu o mais alto nível de santidade.
As
impressões mentais passadas & como livrar a mente delas
A impureza mental é causada principalmente por pensamentos acumulados passados. De acordo com a Rāja Yoga, nem um único pensamento se perde. Todos os pensamentos eventualmente desce para o nível subconsciente e ali permanece como uma impressão. Existem inúmeras impressões de pensamentos passados no nível subconsciente de uma mente comum. Essas impressões chamam-se, em sânscrito, samkāras. As técnicas da Rāja Yoga, tais como a meditação, ou dhyāna, pode ajudar a limpar a mente dessas samkāras (impressões).
Uma analogia esclarecerá essa idéia. Suponhamos que uma pessoa esteja parada na beira de um lago com um rolo de papeis toalha. Um por um, ele começa a colocar os pedaços de papel toalha no lago. No inicio, o papel flutua por alguns minutos, para então afundar e assentar no fundo do lago, camada por camada, uma em cima da outra.
O lago é a mente, e os pedaços de papel toalha são os pensamentos. Quando os pedaços de papel está flutuando, são os pensamentos no nível consciente da mente. Em seu estado submerso, no fundo do lago, eles são samkāras, ou impressões de pensamentos passados no nível subconsciente da mente. Essas impressões são como negativos fotográficos, e tem a habilidade de reproduzir fotografias quando as circunstancias são favoráveis. Da mesma forma, as samkāras tem o potencial de novamente tornarem-se pensamentos conscientes se um ambiente mental adequado for criado para elas.
A meditação é a contemplação feita com grande concentração mental. Quando uma pessoa medita, o seu pensamento concentrado, como um raio laser, penetra através das camadas interiores de sua mente e chega ao fundo, onde encontram-se as samkāras. O pensamento concentrado, como uma sonda debaixo d’água, começa a perturbar as samkāras acumuladas, que gradualmente, uma por uma, sobem para nível consciente e tornam-se novamente pensamentos conscientes. O meditador deveria, como um observador desinteressado, observar esses pensamentos reanimados, e não deveria agir de acordo com eles. Os velhos pensamentos, uma vez trazidos ao nível consciente, estouram como bolhas de ar e desaparecem. É assim que, através da prática da meditação, uma pessoa pode purificar a sua mente e gradualmente livrar-se das velhas impressões, ou samkāras. No entanto, se o meditador agir de acordo com os pensamentos reanimados, ele irá criar novas samkāras e a sua mente não ficará limpa.
Siddhis
ou poderes supernaturais
No curso da prática da Rāja Yoga, conforme o estudante adquire um considerável controle sobre a sua mente, ele também adquire oito poderes extraordinários chamados de ashtasiddhi: (1) animā - a capacidade de tornar-se tão pequeno quanto uma molécula e penetrar objetos sólidos, (2) laghimā - extrema leveza do corpo e a habilidade de levitar, (3) vyāpti – a habilidade de expandir-se, (4) prākāmya – a aquisição de uma vontade irresistível, (5) mahimā – a habilidade de tornar o corpo extremamente grande, (6) īshitva – a aquisição de poderes divinos, (7) vashitva – o poder de trazer tudo sobre o próprio controle, e (8) kāmāvasāyitā – a habilidade de obter o que quer que a pessoa deseje.
Outros poderes também podem surgir: a habilidade de voar (khechari-vidyā), a conquista da morte (mrityunjayaa-vidyā), a habilidade de adquirir tesouro escondido (pātāla-siddhi), a habilidade de entrar no corpo de outra pessoa (kāya-siddhi), conhecimento do passado, presente e futuro (trikāla-jnāna), o poder de morrer quando quiser (ichchhā-mrittyu), o poder de tornar-se invisível (antardhāna), ir além da fome e da sede (kshutpipāsā-nivritti), e o poder de entender a linguagem dos animais (sarvabhūtaruta-jnāna).
O estudante é aconselhado a não usar nenhum desses poderes (siddhis). Esses poderes são como marcos no caminho do progresso espiritual, mas podem ser obstáculos para se alcançar a meta espiritual. Se o estudante para em qualquer um desses marcos, preso pelo encanto de tais poderes, ele não poderá atingir a meta. Ele deveria ignorá-los e prosseguir firmemente no seu caminho espiritual, até que a meta seja alcançada. Uma vez que a meta tenha sido alcançada, a sua divindade inerente se manifestará em todo o seu esplendor e ele estará livre de todas as limitações humanas. Ele se tornará um santo.
O
poder da kundalini & os seis chakras
De acordo com a Rāja Yoga, o poder espiritual no homem, normalmente permanece num estado dormente. Como uma cobra enrolada num estado de hibernação, esse poder geralmente permanece adormecido, próximo a extremidade inferior da coluna vertebral da pessoa. Esse estar enrolada, chama-se em sânscrito, kundala. Kundalinī significa alguma coisa que está enrolada, tal como uma cobra. A Rāja Yoga ajuda a pessoa a despertar o poder Kundalinī através da meditação e de outras práticas espirituais.
A coluna vertebral é como muitos oitos empilhados, um em cima do outro, formando dois canais verticais, lado a lado. A energia vital, ou corrente nervosa da pessoa, trabalha no corpo passando através desses dois canais. O canal esquerdo chama-se idā e o canal direito pingalā. Se a respiração de uma pessoa, quando ela expira, for mais forte através da narina esquerda, essa é uma indicação de que a energia vital está fluindo através do canal idā naquele momento. Se a respiração for mais forte através da narina direita, então a energia está fluindo através do canal pingalā. Quando a pessoa é muito ativa fisicamente, a energia geralmente flui através do canal pingalā, e quando está descansando, a energia flui através do canal idā.
Existe um terceiro canal dentro da coluna vertebral, localizado entre o idā e o pingalā. O seu nome é sushumnā. Normalmente o canal sushumnā permanece fechado e se abre quando o poder Kundalinī é desperto. O poder Kundalinī desperto começa a avançar através do canal sushumnā em direção ao cérebro. Quando isso acontece, o aspirante espiritual entra em um domínio completamente diferente de experiência, e começa a ter experiências espirituais genuínas. O poder Kundalinī, quando desperto, conforme começa a elevar-se em direção ao cérebro, parece passar através de diferentes portas, cada uma delas, introduzindo o aspirante espiritual a um novo conjunto de experiências espirituais. Cada uma dessas portas, ou níveis de experiência espiritual se chama chakra. A Rāja Yoga fala sobre sete níveis como estes, o mais elevado sendo o sahasrāra. O sahasrāra está localizado em algum lugar dentro do cérebro. O chakra mais baixo, que está na parte inferior da coluna vertebral, chama-se mūlādhāra. O próximo chakra mais elevado é o svādhishthāna, os seguintes são manipura, anāhata, vishuddha, ājnā, e sahasrāra.
No hinduísmo, lemos a respeito de três tipos de espaço. O espaço no qual nós, as estrelas e os planetas estão chama-se mahākāsha, ou “espaço exterior”. O nosso mundo de sonhos, ou os objetos da nossa imaginação, existem no chittākāsha, ou “espaço mental”. Todas as verdadeiras experiências espirituais acontecem no chidākāsha, ou “espaço do conhecimento”. Uma pessoa acessa o chidākāsha somente quando o poder Kundalinī despertou e entrou no canal sushumnā. Todas as experiências no chittākāsha não são mais do que imaginação ou alucinação quando comparadas às genuínas experiências espirituais no chidākāsha. Quando o poder Kundalinī atinge o sahasrāra através do canal sushumnā, o aspirante espiritual torna-se espiritualmente iluminado. Ele alcança a meta da Yoga – ele alcança asamprajnāta samādhi.
Apesar de Rāja Yoga literalmente significar “Rei de todas as yogas”, existem alguns riscos conectados a sua prática. Nas palavras de Swāmī Vivekānanda, um mestre da Rāja Yoga, “Deve haver castidade perfeita, em pensamento, palavra e ação; sem isso, a prática da Rāja Yoga é perigosa , podendo levar a insanidade.” Os aspirantes que quiserem praticar essa yoga, são aconselhados a seguir essas palavras de precaução.
* ilustração e diagrama – Os chakras
KARMA YOGA
O CAMINHO DA AÇÃO CORRETA
No contexto da Karma Yoga, a palavra sânscrita karma significa trabalho ou ação. Pensar também pode ser considerado karma. Um verso do Bhagavad Gītā diz: “Ninguém pode jamais permanecer sem trabalhar, mesmo que por um instante.” Trabalho, que pode ser físico ou mental é inevitável. Portanto, o impacto do trabalho na vida daquele que faz, não pode ser mais enfatizado. Mesmo a tentativa de não trabalhar, se transforma em trabalho. A seguinte estória vai claramente explicar essa idéia. Enquanto vagava pela Índia, um santo chegou a uma aldeia. Ele permaneceu ali por alguns dias e impressionou muito os aldeões com um de seus poderes yógicos. Ele exibiu a extraordinária habilidade de matar e reviver qualquer ser, borrifando água nele, enquanto repetia palavras místicas, ou mantras.
Durante a estada do santo na aldeia, um jovem rapaz serviu-o cumprindo várias tarefas Resultando disso, o santo sentiu muita simpatia pelo rapaz. Numa manhã, ele chamou o rapaz e disse: “Eu vou embora esta tarde, mas antes de partir, eu gostaria de dar-lhe um presente. Eu tenho este rosário por muitos anos, e vou dá-lo a você. Você pode usa-lo nas suas preces diárias.” Mas o menino disse: “Se o Senhor não se importar, eu preferiria ganhar um outro presente.” O santo disse: “Sou um homem de muito poucas posses. O que mais eu poderia te dar?” O rapaz disse: Por favor, ensine-me como dar e tirar a vida como você faz. Esse é o presente que quero de você.”
O santo, cumprindo a sua promessa, teve de ensinar os mantras ao rapaz e disse: “Meu filho, antes de repeti-los, você deve ser muito cuidadoso com uma coisa. Você nunca deve pensar em um gato preto. Porque se você o fizer, os mantras não vão funcionar.” “Eu nunca farei isso””, disse-lhe o rapaz, e ao deixar a presença do santo, foi diretamente para a sua vizinhança.
Ao chegar lá, chamou todos os seus jovens amigos e disse: “Eu tenho o poder de matar e trazer de volta a vida de qualquer ser. Aquele santo ensinou-me como fazer isso!” Mas os seus amigos não acreditaram nele, e o rapaz decidiu exibir seus poderes.
Ele tinha um gato de estimação. Depois de amarrar o gato a um poste, ele borrifou água no animal e repetiu os mantras. Mas nada aconteceu; o gato nem ao menos desmaiou – o que dizer de morrer! O rapaz tornou-se motivo de riso em sua vizinhança. Ele correu para o santo e disse, “Senhor, os mantras não funcionaram. Sinto-me extremamente humilhado.” O santo perguntou: “Você seguiu meu conselho? Será que você não pensou em um gato preto enquanto repetia os mantras?” O rapaz disse: “Senhor, eu posso ser jovem, mas não sou estúpido. Enquanto eu repetia aquelas palavras, dizia a mim mesmo que não deveria pensar em um gato preto.” O santo disse: “Mas isso é o mesmo que pensar em um gato preto. Ao tentar não pensar em um gato preto, tudo que você fez foi pensar em um! Por isso os mantras não funcionaram.”
De acordo com o hinduísmo, trabalhar, que é inevitável, tem uma desvantagem. Qualquer trabalho feito com apego a seu resultado, gera um tipo de escravidão psicológica para aquele que pratica a ação. Considere um florista, que com grande cuidado está cultivando um tipo muito raro de rosas em seu jardim. Quando as rosas estão prestes a abrir, ele recebe uma ligação de um amigo que diz; “Estou indo numa viagem para a Europa por um mês, e ficaria muito feliz se você viesse comigo. Cuidarei de todas as despesas e você não precisa se preocupar com qualquer coisa!” Mas o florista, mesmo que quisesse muito ir em tal viagem, não pode faze-lo. É como se o seu apego àquelas rosas exóticas o tivesse imposto um tipo de escravidão. Caso pudesse livrar-se de tal apego às rosas, ele instantaneamente estaria livre dessa escravidão e poderia ir para onde quisesse.
O mesmo acontece com todas as ações que uma pessoa pratica. Uma ação praticada com apego ao resultado, acaba por escravizar aquele que a praticou. Karma Yoga ensina o segredo de como manter a liberdade mesmo que se trabalhe o tempo todo.
O segredo está em trabalhar sem nenhum apego aos resultados do trabalho. Apego, é o envolvimento egoísta e está sempre enraizado em expectativas egoístas. Portanto, o trabalho feito sem apego ao resultado, não é outra coisa es não trabalho não egoísta.
A arte e a ciência de executar trabalhos não egoístas é a Karma Yoga, ou a Yoga da ação correta. Não é fácil trabalhar de forma não egoísta, por isso um estudante da Karma Yoga é aconselhado a trabalhar pelo prazer de Deus. Se o trabalho for feito para Deus, e não para si mesmo, tal trabalho torna-se trabalho não egoísta.
Entretanto, podemos argumentar que mesmo quando uma pessoa trabalha para Deus, na verdade, o desejo do progredir espiritualmente é que motiva a sua ação. Portanto, tal ação não pode ser verdadeiramente chamada de ação não egoísta. Mas de acordo com a Karma Yoga, desejar progresso espiritual não é considerado egoísmo, mas sim um egoísmo “iluminado”, e não é prejudicial.
O santo Srī Rāmakrishna esclarece está idéia com a ajuda de uma analogia. Ele diz que os aldeões analfabetos das áreas rurais de Bengala acreditam que doces são prejudiciais para pessoas sofrendo de acidez estomacal. De acordo com eles, doces agravam a acidez. Eles acreditam que açúcar cândi – que é um tipo de doce – é um antídoto para acidez. Da mesma forma, o desejo de progredir espiritualmente, embora egoísta, é um antídoto para o egoísmo, e conduz a iluminação espiritual.
O trabalho feito para Deus, gradualmente purifica a mente da pessoa, transformando-a em uma mente livre da noção de que ela faz. Apenas uma mente assim, capacita uma pessoa a ter a visão de Deus, que é a meta da Karma Yoga.
A Karma Yoga também libera a pessoa da corrente de repetidos nascimentos e mortes. Cada elo dessa corrente é criado pelo próprio karmaphala da pessoa. Se uma pessoa aprende a trabalhar de tal maneira que os frutos das suas ações não voltem para ela, novos elos não serão criados. Resultando disso, a continuidade de repetidos nascimentos e mortes vai ser quebrada, e a pessoa se libertará. O segredo para ganhar tal liberdade é trabalhar sem apego aos resultados do trabalho. Se a pessoa que executa as ações, não quiser os frutos de suas ações, os frutos jamais viram para ela.
É como uma pessoa que depositou um milhão de dólares num banco, mas instrui o banco para que a renda do investimento não seja creditada em sua conta, mas que seja doada em caridade para uma igreja. Nesse caso, a pessoa dona da conta, não está esperando que os frutos de seu investimento – a renda em juros – voltem para ela. Similarmente, uma pessoa que trabalha enquanto abre mão dos frutos de suas ações, vai quebrar o elo da corrente de repetidos nascimentos e mortes, e não vai nascer novamente. Em outras palavras, ela vai alcançar a liberação.
De acordo com o hinduísmo, o trabalho em si, não é nem bom nem ruim. A atitude mental com a qual o trabalho é feito, determina se o trabalho é bom ou ruim. Um cirurgião executa uma cirurgia num paciente e o paciente morre. Mesmo tendo morrido nas mãos do cirurgião, o médico não é considerado um criminoso por que ele teve a atitude de ajuda em relação ao paciente. Ele queria que o paciente tivesse se curado. Num outro caso, um assassino que matou alguém é considerado um criminoso porque teve uma atitude prejudicial. Ele deliberadamente quis ferir a sua vítima. As conseqüências dessas ações externamente similares, são diametralmente opostas – uma boa e uma má.
Manter meramente a atitude correta em relação ao trabalho não é o bastante na Karma Yoga. A pessoa que executa a ação deve também saber como trabalhar bem. Caso contrário, não terá o progresso espiritual desejado. A seguinte estória esclarecerá essa idéia.
Um soldado tinha um macaco de estimação, e treinou esse macaco para que fizesse muitos truques inteligentes. Numa quente tarde de verão, o soldado estava descansando na grama, à sombra de uma grande árvore. Ele havia colocado a sua espada na grama, ao seu lado. O macaco estava sentado ao lado do soldado e vigiava atentamente o seu mestre, quando notou que uma mosca pousava repetidamente no rosto do soldado, assim perturbando o seu descanso. O macaco não gostou, e quando a mosca novamente pousou no rosto do soldado, ele desembainhou a espada do seu mestre e com um rápido e poderoso golpe tentou matar a mosca. A mosca escapou e o soldado morreu!
O macaco teve a atitude correta; queria ajudar o seu mestre. Mas o seu método estava completamente errado. Similarmente, a pessoa que tem a atitude correta em relação ao trabalho, mas não sabe como trabalhar corretamente, não receberá os completos benefícios da Karma Yoga.
XVI
ADORAÇÃO A DEUS
A ADORAÇÃO A DEUS ATRAVÉS DAS
IMAGENS
Na mente de muitas pessoas existe a noção de que os hindus são idólatras porque normalmente eles usam imagens para adorar a Deus. Mas tal noção é absolutamente incorreta. Imagens não são nada além de “símbolos” do poder e da glória de Deus (Īshvara). Através de tais símbolos tangíveis, o hindu tenta estabelecer contato com o Īshvara intangível. Da mesma maneira que a fotografia do pai de uma pessoa não é na verdade o pai da pessoa, mas apenas um artifício para recordar-se dele, assim também, uma imagem simbolizando algum dos poderes ou glórias de Deus, nunca é considerada pelo hindu como sendo o próprio Deus. Apenas o ajuda a recordar-se de Deus. A imagem, que é um símbolo, age como um elo entre Deus e o Seu adorador, e quando através de tal adoração, o adorador estabelece uma comunhão mental com Deus, a adoração termina. Então já não existe a necessidade das imagens. Por isso que os hindus descartam as imagens depois da adoração, imergindo-as em lagos ou rios.
As imagens são feitas de vários materiais, tais como barro, pedra, madeira e metal. Normalmente, são as imagens menos caras, de barro ou madeira, que são descartadas depois da adoração. As imagens feitas de materiais mais caros e duradouros são usadas repetidamente.
Durante o período védico, os indo-arianos usavam o fogo como o símbolo de Deus. Mas porque Deus está presente em todos os lugares, tudo que existe no universo pode ser usado como um símbolo Seu. Eles escolheram o fogo, o dissipador da escuridão, o símbolo da pureza, o doador do calor, como o símbolo de Deus.
É da própria natureza do amor verdadeiro, querer dar ao amado, aquilo que é mais querido ao amante. Durante as adorações, os arianos védicos costumavam oferecer a Deus, manteiga clarificada, cereais, gergelim, frutas e outros alimentos que eles gostavam. Depois que a oferenda havia sido consumida pelo fogo, eles tinham a satisfacao psicológica de que Deus havia aceito a sua oferenda. Ainda assim eles eram totalmente cientes de que Deus não precisa de nenhum alimento. Deus, sendo perfeito, não deseja nada. Eles também sabiam que não poderiam dar a Deus qualquer coisa que já não pertencesse a Ele.
Alguns hindus ainda seguem a antiga tradição de adorar a Deus usando o fogo como um símbolo, embora várias outras formas de adoração ritual tenham sido introduzidas mais tarde pelos sábios do período pós-védico. Entretanto, a forma mais elevada de adoração é a adoração mental, ou meditação, onde símbolos externos e imagens não são usados.
Algumas das imagens usadas pelos hindus na adoração a Deus, têm muitos braços, mais de uma cabeça e também tem cores diferentes. Para representar os vários poderes de Deus, muitos braços são usados, cada um deles simbolizando um diferente poder de Deus. Algumas imagens chegam a ter cem braços, ou até mil braços, para indicar que Deus tem poderes infinitos. É pela mesma razão que às vezes os hindus colocam mais de uma cabeça nas imagens. A cor azul, indica a insondável e infinita natureza de Deus, e similarmente, outras cores podem simbolizar outros aspectos.
* ilustração – A Mãe Divina - Durgā
A ADORAÇÃO RITUAL
Como já foi mencionado anteriormente, pensasse que a adoração mental, ou meditação, é a melhor forma de adoração no hinduísmo, apesar de que a vasta maioria de adoradores não tenham-na como algo fácil de ser feito. As escrituras prescrevem a adoração ritual exterior para esses adoradores. Através da adoração ritual, eles gradualmente progridem espiritualmente e tornam-se prontos parra a adoração mental, ou meditação.
Para manter o corpo e a mente alertas durante a adoração, o adorador é aconselhado a não meditar com o estômago cheio. Por isso alguns adoradores jejuam até que terminem a sua adoração, apesar de que jejuar não seja obrigatório. As pessoas que não são capazes de jejuar, podem comer algo leve, tal como uma pequena quantidade de frutas e leite antes da adoração.
Na adoração ritual exterior, o adorador usa flores, água, luz (fogo), um leque e um pedaço de pano como símbolos dos cinco elementos que, de acordo com o hinduísmo, constituem o universo inteiro. Diferentes tipos de comida e outros tipos de presentes também são oferecidos a Deus.
A adoração começa com a purificação. Todos os itens usados na adoração devem ser purificados em pensamento pelo adorador. Palavras sagradas associadas a Deus, chamadas de mantras, são repetidas pelo adorador juntamente com pensamentos de purificação tais como “Que as flores sejam puras e sagradas; que a água seja pura e sagrada.” Dessa maneira, a pessoa purifica cada item usado na adoração. Então ela purifica cada parte do seu próprio corpo. Depois disso a pessoa deve pensar na divindade presente dentro de si mesma, rezando a Deus que, através da Sua graça, a sua divindade inerente se manifeste para que assim ela se torne capaz de adorar a Deus. De acordo com o hinduísmo, apenas uma pessoa que foi capaz de manifestar a sua divindade inerente, é capaz de apreciar e adorar a Deus. O adorador então oferece flores como um símbolo do seu amor e devoção. Oferece também a comida e os outros presentes, e por último presenteia a Deus com os símbolos dos cinco elementos, afirmando que não pode oferecer a Deus qualquer coisa que já não pertença a Ele. Ao usar esses cinco elemento, o adorador oferece o universo inteiro a Deus, e tal oferenda chama-se Ārati, ou Ārātrika. O adorador também reza pelo bem estar de todas as criaturas no mundo, assim como por sua própria iluminação espiritual.
Durante a adoração, o adorador tem a oportunidade de pensar constantemente em pureza e santidade, e através de repetidas adorações rituais, gradualmente santifica-se; porque o que a pessoa pensa, ela finalmente se torna.
O
sacrifício animal na adoração ritual
Em algumas forma da adoração ritual hindu, particularmente aquelas influenciadas pelas disciplinas do Tantra, o sacrifício animal é às vezes permitido. Tendo em mente a importante instrução das escrituras, “Não cometa violência a ser algum”, a pessoa pode questionar como pode o sacrifício animal, não importando o quão infreqüente, ser permitido no hinduísmo.
Não apenas animais, mas todas as formas de vida são sagradas para o hinduísmo, que não encoraja a violência em relação a coisa alguma. O hinduísmo considera todas os alimentos impuros porque estão direta ou indiretamente ligadas a violência. Por exemplo, grãos tais como trigo e arroz tem vida neles, e o mesmo é verdade para outros tipos de comida, animais e vegetais. Comê-las é o mesmo que destruir a vida e cometer violência. Até mesmo o consumo do mel de abelha, que parece ser algo tão inocente, é na verdade roubar as abelhas do fruto de seu trabalho. É por essa razão que esperasse dos hindus que ofereçam o que quer que eles comam, a Deus primeiro, seja mentalmente ou ritualisticamente, assim purificando o alimento.
De acordo com o hinduísmo, qualquer alimento oferecido a Deus com amor e devoção, é santificado por Deus, e torna-se livre de todos os defeitos e impurezas. Para o seu bem estar espiritual físico e espiritual, um hindu deveria comer apenas alimentos santificados.
Na antigüidade, a maioria dos indo-arianos comia carne com certas restrições no que diz respeito a que animais eram mortos e comidos. Ao invés de matar os animais indiscriminadamente e comer a sua carne, considerava-se melhor sacrificar os animais como uma oferenda para Deus e só então comer a carne santificada. Qualquer carne de animais que não tivesse sido oferecida a Deus era considerada não comestível. Dessa maneira, algumas restrições foram impostas a matança arbitraria de animais para o consumo humano. Além disso, o sacrifício animal na presença de Deus era supostamente interpretado como matar a animalidade , ou natureza inferior do adorador, para assim manifestar a natureza mais elevada, ou divindade inerente do adorador.
Deveria ser claramente entendido que mesmo que às vezes aceite o sacrifício animal, o hinduísmo não encoraja-o. Até mesmo as escrituras do Tantra permitem outros símbolos, tais como uma abóbora, uma cabaça ou qualquer outro tipo de fruto, representando a natureza inferior, ou animalidade do adorador. Ao invés de animais, esses frutos simbólicos podem ser sacrificados na presença de Deus.
Na Índia de hoje, o sacrifício animal é muito raro. A vasta maioria dos hindus são vegetarianos e não querem que animais sejam mortos, seja qual for a razão. O pequeno numero de hindus que comem carne, compram-na nos açougues como é feito no ocidente.
OS FESTIVAIS RELIGIOSOS
HINDUS
No hinduísmo existem muitos festivais, alguns maiores e outros menores, e nem todos os mesmos festivais religiosos são observados em todas as partes da Índia. O Deepāvali, ou Dewālī, e o Mahāshivarātri são os principais festivais que são observados em toda a Índia. O Deepāvali chama-se também “o festival das luzes”. O Holi, ou Dol Pūrnimā é um outro importante festival observado em todo o norte e leste da Índia durante o advento da primavera. No leste da Índia, particularmente em Bengala, o Durgā Pūjā, o Kālī Pūjā, e o Sarasvatī Pūjā são os festivais mais importantes. O Durgā Pūjā dura quatro dias. No nordeste da Índia, particularmente no estado de Assam, o Bahāg Bihu, Kāti Bihu e o Māgh Bihu são os principais festivais. O Ganesh Pūjā, ou Ganesh Chaturthī é o principal festival no oeste da Índia. No sul da Índia, o Deepāvali, Navarātri e o Pongal são os festivais importantes. O Navarātri dura nove dias. Na região norte e central da Índia, o Navarātri é observado como o principal festival.
No Nepal, um dos principais festivais hindus é o Bhrātri Dvitīyā, ou Dia do Irmão. Esse festival, também conhecido como Bhāi Duj, é também muito popular em toda a região norte e leste da Índia. Além desses festivais, o Janmāshtamī, o Rām Navamī, o Rakshā Bandhan, o Ratha Yātrā, o Chhat Parab, o Vaishākhī e os aniversários de vários santos são observados em diferentes partes da Índia.
Os festivais menores são muito numerosos para serem mencionados. Cada pequeno condado na Índia tem os seus próprios festivais e celebrações menores. Durante alguns dos principais festivais, como o Deepāvali, o Navarātri, o Durgā Pūjā e o Bhrātri Dvitīyā, presentes são trocados da mesma forma que se faz durante o Natal nos países ocidentais.
XVII
OS MANTRAS E OS
SÍMBOLOS SAGRADOS
INTRODUÇÃO
Durante um discurso religioso, um santo hindu disse às pessoas ali reunidas que uma pessoa que repete um mantra (o nome santo de Deus) regularmente por muitos anos, desenvolve uma mente pura que a capacita a ver Deus. Naquele momento, alguém se levantou e disse, “Senhor, não posso acreditar na eficácia de mantras. Um mantra é apenas uma palavra. Como pode uma palavra ter o poder de purificar a mente de alguém e dar-lhe a visão de Deus?”, “O que? Você não acredita no poder dos mantras?” exclamou o santo, “Você é maior tolo que já vi em toda a minha vida!”
Porque o santo havia chamado-o de tolo na presença de todos ali, o homem sentiu-se extremamente humilhado. O seu rosto ficou vermelho e ele começou a tremer, suprimindo a sua raiva. Apontando tal reação, o santo disse, “Você não acredita no poder das palavras, mas veja o poder da palavra ‘tolo’ – e que forte efeito teve em você! E ainda assim você nega o poder dos mantras?”
No hinduísmo, um mantra não é como qualquer palavra; é especial. A sua associação com Deus, torna-a sagrada e espiritualmente benéfica. Ao repetir um mantra com amor e devoção, a pessoa pode se tornar espiritualmente iluminada. O significado da palavra mantra deriva de “algo que quando reflete-se à respeito, a pessoa é salva (do perigo ou da escravidão do mundo).”
Na Índia, os aspirantes espirituais querem receber mantras de santos. Tais mantras são considerados muito mais efetivos do que mantras tirados de um livro. O seguinte caso hipotético pode explicar o porque. Suponhamos que um paciente tenha ido a um médico para um exame e o médico detecta algo maléfico no corpo do paciente. Com isso, o paciente fica muito nervoso e chateado, e ao retornar para casa, dá a má notícia a sua esposa. Ao vê-lo extremamente chateado, a sua esposa diz a ele, “Querido, não fique chateado. É bom que o seu câncer tenha sido detectado tão cedo; você será curado.” Entretanto, as suas palavras não puderam aliviar a preocupação e a ansiedade de seu marido.
Alguns dias mais tarde, o paciente foi visitar o melhor especialista em câncer na cidade. O especialista examinou-o cuidadosamente e disse, “Você tem sorte de fato, o tipo de câncer que você tem, pode ser completamente curado.” Como mágica, as palavras do especialista, instantaneamente aliviaram a ansiedade do paciente.
Ambos, o especialista e a esposa do paciente disseram que ele seria curado, mas as palavras do especialista são muito mais efetivas quando ditas. O seu treinamento médico e anos de experiência no tratamento de câncer, tornam as suas palavras mais convincentes e efetivas.
Da mesma forma, um mantra dado por um mestre espiritualmente iluminada, tem a experiência de toda uma vida espiritual por trás do mantra. Um mantra escolhido por um estudante em um livro, pode sem dúvida ajudar, mas não será tão eficiente quanto um mantra obtido de um mestre iluminado.
Além do mais, um mantra que já ajudou alguém a alcançar a realização de Deus, adquire uma grande potência espiritual. Tal mantra chama-se siddha mantra. Um siddha mantra, se dado por um mestre a um estudante, é mais efetivo do que os outros.
O SÍMBOLO SAGRADO
OM
Entre os mantras sagrados, ou palavras sagradas do hinduísmo, a palavra monossilábica palavra OM, é a mais antiga e sem dúvida a mais importante. Essa sílaba sagrada, que significa Deus, tem sido freqüentemente mencionada nos Vedas e em outras escrituras do hinduísmo. A sílaba OM pode também ser soletrada como AUM. Ela também é chamada de Pranava. Cada uma das três letras, A, U e M, tem um significado especial. De acordo com uma interpretação, o “A” representa a criação, o “U” representa a preservação e o “M” representa a destruição, ou dissolução. Como Deus no hinduísmo é o criador, o preservador e o destruidor deste universo, o OM, ou AUM é um nome adequado para Deus. De acordo com ainda outra interpretação, as três letras formando AUM, são indicadoras dos três lokas (planos de existencia) deste universo – densos e sutis – Svarga (o paraíso), Martya (a terra) e Pātāla (o mundo inferior). Deus, sendo onipresente, permeia todos esses três lokas, e AUM é considerado um símbolo de Deus.
O AUM é também um símbolo sônico e audível de Deus, podendo todas as palavras produzidas pelo órgão vocal humano serem representadas por ele. O órgão vocal humano começa na garganta e termina nos lábios. O “A” é produzido pela garganta, e o “U” e o “M” são produzidos pelos lábios. Assim, AUM é um símbolo de todas as palavras que o órgão vocal pode produzir. Além do mais, tudo que existe neste universo pode ser representado por palavras, e todas as palavras são produzidas pelo órgão vocal, e sendo assim, todo o universo pode ser representado por AUM. Porque o universo inteiro é coberto pela presença de Deus, o AUM simboliza Deus.
O AUM é um símbolo tanto impessoal quanto sem denominação, podendo assim ser usado por hindus de todos as seitas e denominações. Como a cruz no cristianismo, ou a estrela de Davi no judaísmo, a imagem pictórica do AUM é usada como um símbolo do hinduísmo.
* ilustração – Om ou Aum
O MANTRA GĀYATRĪ
O mantra Gāyatrī é também conhecida como Sāvitrī mantra. Esse é um dos mais importantes mantras nas escrituras hindus e encontra-se no Rig-Veda. Esse mantra tem o formato de prece: “Aum, meditamos na efulgência daquele adorável Ser Divino, que é a fonte e o projetor dos três mundos – o plano terreno (Bhūrloka), o plano etéreo sutil (Bhuvarloka), e o plano celestial (Svarloka). Que aquele Ser Supremo estimule a nossa inteligência para que possamos realizar a Suprema Verdade”. Esse mantra é recitado diariamente pelos hindus das três castas superiores, uma vez que tenham sido investidos com o cordão sagrado (Upavīta).
Cada mantra védico é dirigido a uma deidade, e também está associado com o nome do sábio a quem o mantra foi primeiramente revelado. Todos os mantras védicos tem uma métrica, e o mantra sāvitrī tem a métrica Gāyatrī. Por isso o seu outro nome, Gāyatrī mantra.
OS MANTRAS E OS YANTRAS
NA DISCIPLINA DO TANTRA
Os mantras são muito importantes na disciplina tântrica. Qualquer mantra da tradição tântrica, entre outras coisas, tem dois importantes ingredientes: (1) vīja (semente) e (2) shakti (poder). A vīja é uma palavra monossilábica, dotada de uma grande potência espiritual, e é também chamada de vīja mantra. Podem existir muitos vīja mantras, adequados a diferentes deidades. Todos os mantras da tradição tântrica começam com um vīja mantra, pois o sistema tântrico diz que um mantra acompanhado por uma vīja contém uma grande potência espiritual. Dessa forma, a repetição de tal mantra, aumenta a possibilidade de se ter a visão de Deus. Acreditasse também que quando uma oferenda é feita a uma deidade, enquanto se repete um mantra assim, a deidade aceita a oferenda imediatamente.
Os yantras são diagramas místicos e sagrados, associados aos rituais de adoração do Tantra. Alguns yantras são usados como símbolos de Deus na adoração tântrica.
* ilustração – O yantra da Mãe Divina
XVIII
OS TEMPLOS
INTRODUÇÃO
Durante o período védico, os hindus adoravam a Deus usando o fogo como o Seu símbolo. Sob o céu aberto, eles construíam uma plataforma e acendiam o fogo sagrado ali, onde ofereciam as oblações. Eles não precisavam de templos para as suas adorações.
Os eruditos não tem muita certeza de quando os indo-arianos começaram a usar templos, e é muito provável que o primeiro templo tenha sido feto de barro ou madeira. Por razoes óbvias, os templos feitos desses materiais não duravam muito tempo. Mais tarde, materiais mais duráveis, tais como tijolos e pedras foram usados na construção dos templos. Ao estudar os antigos templos, os eruditos concluíram que alguns deles foram construídos provavelmente por volta do século primeiro A.D., se não antes.
A LOCALIZAÇÃO DOS TEMPLOS
Os templos hindus são geralmente construídos em lugares de grande beleza cênica: a margem de rios, nas montanhas, na beira de lagos ou próximos ao mar. Existem também belos templos em cavernas, esculpidos em encostas.
A ARQUITETURA DOS TEMPLOS
A arquitetura dos templos hindus é variada, embora tenham em comum: (1) uma cúpula, ou um campanário, (2) uma câmara interior onde a imagem da deidade é colocada, (3) um salão onde as pessoas podem se sentar, (4) um pórtico e (5) um reservatório de água doce feito pelo homem, na área do templo, caso esse não esteja próximo a uma fonte de água tal como um rio ou lago. A água doce é necessária para manter limpo o chão do templo e também para os rituais. O reservatório também é usado pelos devotos para um banho de purificação antes de entrar no templo.
* ilustração – Templo de Khājurāho
O campanário, ou cúpula, se chama shikhara, ou cume. O shikhara é uma representação da montanha mitológica Meru, tida como a mais alta de todas as montanhas. A câmara interior do templo chama-se garbhagriha, que literalmente significa “câmara uterina”. Essa câmara se parece com uma caverna. O salão para as pessoas chama-se nāta-mandira, que significa, o salão para as danças templárias. No passado, dançarinas chamadas de devadāsīs (as criadas de Deus) costumavam dançar danças rituais para o entretenimento da deidade.
O shikhara, que é o ponto mais alto do templo, simboliza o desejo do adorador de ascender ao mais alto pico da experiência espiritual. A câmara uterina representa a caverna, ou santuário do coração do adorador, onde Deus deve se manifestar através da adoração.
Geralmente, apenas os sacerdotes do templo tem permissão de entrar no garbha-griha, enquanto os devotos sentam-se no salão, lendo as escrituras, repetindo o nome santo de Deus, meditando, ou simplesmente observando os sacerdotes executando as adorações rituais. O garbha-griha normalmente não tem nenhuma janela, ao invés, tem uma larga porta frontal que quando aberta, permite que os devotos sentados no nāta-mandira observem a adoração ritual sendo feita no garbha-griha. No entanto, em alguns templos, o salão para os devotos é uma construção separada do garbha-griha. Tanto o salão quanto o garbha-griha geralmente tem diferentes imagens de deidades nos vãos nas paredes.
Alguns templos tem uma passarela contornando as paredes do garbha-griha para a deambulação dos devotos. A deambulação é tradicionalmente feita em torno da deidade no sentido horário, e é uma demonstração de respeito e honra para com a deidade. No pórtico de alguns templos, um grande sino metálico fica pendurado a partir do teto, e os devotos geralmente o fazem soar uma ou duas vezes enquanto entram ou saem do templo.
* ilustração – Templo no estilo Vimāna
Nota-se uma grande variedade na arquitetura dos templos hindus. Alguns templos são retangulares, alguns são octogonais, alguns são semicirculares e outros tem tamanhos e formatos diferentes. O formato das cúpulas também pode variar. No sul da Índia usasse o estilo vimāna para as cúpulas, e no norte da Índia elas tem geralmente o estilo nagara. Nos templos do sul da Índia, as paredes de seus complexos são retangulares ou quadradas, com portais altos e ornamentados, no formato de pagodes. Tais portais são chamados de gopurams.
* ilustração – Templo no estilo Nagara
OS SACERDOTES E OS SEUS
DEVERES
Os sacerdotes dos templos hindus são trabalhadores assalariados, contratados pelas autoridades do templo para executar as adorações rituais. Não devemos confundi-los com os swāmīs (sannyāsins que renunciaram a tudo), que não trabalham por dinheiro. Os sacerdotes são homens de família, especialistas em adoração ritual. Tradicionalmente eles vem de famílias brahmins, ou casta sacerdotal, embora recentemente, no sul da Índia, as adorações tenham sido executadas por sacerdotes pertencentes a outras castas que a brâmane.
Alguns dos templos na Índia pertencem a certas famílias, embora o público tenha acesso a eles. Outros templos pertencem a organizações não lucrativas, ou entidades religiosas, como são conhecidas na Índia. São os curadores dessas organizações não lucrativas que administram os templos.
O dever dos sacerdotes é o de executar as adorações rituais em nome dos curadores ou dos donos do templo. As adorações começam ao amanhecer e continuam por todo o dia até nove ou dez horas da noite. Durante a adoração, o sacerdote oferece vários serviços a Deus, da mesma forma que faria a alguém altamente amado ou adorado, e porque a mente humana não consegue pensar em outros termos que não o humano, Deus é então visto como uma pessoa – não importando o quão glorificada – assim oferecendo comida, bebida, flores, perfumes etc. O sacerdote é totalmente consciente de que Deus não precisa de nenhuma dessas coisas, porque Ele não precisa de qualquer coisa. Não obstante, ele as oferece a Deus, demonstrando assim o amor e a adoração de seu patrão. Os devotos, que não são nem curadores, nem donos do templo, também podem trazer oferendas para a deidade. Nesses casos, os sacerdotes recebem as oferendas dos devotos e oferecem-nas a Deus em seus nomes. A comida consagrada, chamada de prasāda, é então distribuída pelo sacerdote – dependendo da orientação das autoridades do templo – para os devotos, monges e monjas errantes, e para os pobres. Comer a prasāda é considerado espiritualmente benéfico, e por isso, às vezes os devotos vão aos templos especialmente por essa comida. Alguns templos vendem a comida consagrada para os devotos que não trouxeram nenhuma comida para ser ofertada a deidade. É também parte da tradição, diariamente banhar a deidade num banho ritual, do qual a água é considerada muito sagrada e fica guardada dentro do templo, em um recipiente metálico. Ela é bebida em pequenas quantidades pelos devotos, para a sua purificação mental e física. Essa água é chamada de mahāsnāna-jala, ou em sânscrito, charanāmrita.
O PAPEL DOS TEMPLOS NA
SOCIEDADE HINDU
A visita a templos não é obrigatória para os hindus. Todo lar hindu normalmente tem um templo, não importando a quão pequeno, onde preces são diariamente oferecidas. Os hindus geralmente vão aos seus templos durante os festivais religiosos, e os templos hindus não tem tanto apelo para os hindus como as igrejas cristas e as sinagogas judaicas têm para os seus membros. Eles não são centros de atividades sociais, tendo apenas atividades religiosas. Casamentos e serviços funerários , normalmente conduzidos em igrejas, não acontecem em templos hindus. Embora com freqüência organizem kīrtanas (cantorias devocionais) e palestras religiosas para o público.
* ilustração – Um Gopuram ou portal do
templo
XIX
AS TRÊS GUNAS
A PRAKRITI OU MÃE NATUREZA
É COMPOSTA DAS TRES GUNAS
O conceito das gunas tem um papel muito importante no hinduísmo. Guna geralmente significa qualidade, mas tem um significado ainda mais técnico no contexto da filosofia hindu. Esse outro significado tem a sua origem na escola filosófica Sānkhya. De acordo com essa escola, o mundo tem duas partes: espírito e matéria. A parte material do mundo tem a sua origem em Prakriti, ou a Mãe Natureza, de onde este mundo evoluiu.
Prakriti é composta de três substâncias extremamente sutis e intangíveis chamadas de sattva, rajas e tamas. Se prakriti for comparada a uma corda, essas três substâncias que constituem prakriti são os três cordões que se entrelaçam. Um cordão, ou um fio, em sânscrito chama-se guna. Por isso, essas três substancias chamam-se sattva-guna, rajo-guna e tamo-guna.
No entanto, o domínio espiritual do mundo, contém inumeráveis entidades sentientes, cada uma delas infinita e perfeita. Tal entidade chama-se purusha. O que chamamos de “alma”, chama-se purusha na filosofia sānkhya, e existem tantos purushas quanto existem seres no universo.
AS GUNAS CONSTITUEM O
UNIVERSO
Antes da criação do mundo, sattva, rajas e tamas permanecem num estado de equilíbrio perfeito. Se compararmos o estado da pré-criação de prakriti com um rio, então sattva, rajas e tamas são como três correntes fluindo lado a lado. Existindo uma harmonia perfeita entre elas, que fluem sem sobrepor-se umas as outras.
Quando elas começam a se sobrepor e se misturar, o estado de harmonia é perdido e a criação começa. Seguindo um processo evolutivo, prakriti gradualmente torna-se este universo multifacetado. Tudo que existe neste mundo na forma de matéria, energia ou mente, não é nada mais do que uma forma evoluída de prakriti. E porque prakriti é formada pelas três gunas, tudo neste mundo é também formado por elas. O Bhagavad Gītā diz (18/40), “Não existe nenhuma entidade neste mundo, ou no paraíso, onde vivem os devas com corpos brilhantes, que podem estar livres das três gunas nascidas de Prakriti”.
Alguém pode se perguntar como podem essas três gunas que são extremamente sutis, tornarem-se através do processo evolutivo, esse mundo grosseiro e tangível. Essa possibilidade é apoiada pela física atual, que diz que algo tão sutil quanto energia pode se transformar em matéria sólida. Alguns físicos também tem a opinião de que os blocos primários da construção deste universo são muito provavelmente três tipos de quarks extremamente sutis.
A EXISTENCIA DAS GUNAS
PODE SER CONHECIDA APENAS
INDIRETAMENTE
Essas intangíveis gunas são tão sutis e refinadas que se comparados a elas, até mesmo os photons, ou partículas subatômicas, como os elétrons e os neutrons são relativamente grosseiros. As gunas são mais refinadas e sutis do que qualquer coisa que conhecemos neste mundo, e ainda assim, de acordo com a filosofia sānkhya, tudo neste mundo é composto por essas três gunas.
A sua existencia não pode ser percebida diretamente por causa de sua extrema sutileza. Da mesma forma que não podemos ver a eletricidade, mas ainda assim sabemos de sua presença ao ver a sua manifestação em materiais elétricos, assim também, podemos indiretamente saber da presença das gunas ao ver as suas varias manifestações. Cada guna tem as suas próprias qualidades distintivas, ou características, que se manifestam através dos objetos no mundo. Ao ver essas características, a presença das gunas pode ser inferida.
AS CARACTERÍSTICAS DAS GUNAS
A guna sattva é leve e brilhante, ou iluminada, e tem a natureza do prazer, ou da felicidade. Tem também a habilidade de revelar e tornar as coisas conhecidas. A luminosidade da luz, a habilidade da mente e dos sentidos de conhecer as coisas, o poder de refletir do espelho, a transparência do vidro e dos cristais, são todas devido a presença da guna sattva nelas. Similarmente, se vemos a alegria, o contentamento, a satisfação, a felicidade ou a bem-aventurança numa mente, devemos saber que isso é devido a presença de sattva. Da mesma forma, a leveza de uma rolha, ou de qualquer coisa parecida, pode ser explicada em termos da presença da guna sattva.
A guna rajas causa a atividade, o movimento e a inquietação. A avareza, o desejo ardente, a raiva, o egoísmo, a vaidade e o desejo de dominar os outros, são também características da rajo-guna. É também da natureza da dor e do sofrimento; é a causa de todos os tipos de experiências dolorosas. Neste mundo, onde quer que vejamos atividade, movimento ou inquietação, deveríamos saber que é devido a rajo-guna.
As características da tamo-guna são a inércia, a passividade, a preguiça, o peso e a negatividade. Ela resiste ao movimento e a atividade, tornando a mente incapaz de conhecer as coisas com clareza ao torna-la preguiçosa. É também a causa da confusão, da depressão mental e da ignorância. Induz a moleza e ao sono.
As gunas tem uma característica em comum: Elas estão em perpétuo conflito entre si, cada uma tentando subjugar a outra e tornar-se predominante. Ao mesmo tempo elas cooperam entre si. A chama de uma vela existe através da cooperação do pavio, da cera e do fogo, e a chama deixaria de existir sem tal cooperação. É da mesma forma que o mundo existe, através da cooperação das três gunas. Antes da criação as gunas encontram-se num estado de perfeito equilíbrio, com nenhuma delas clamando por preponderância. Depois da dissolução do mundo, elas recobram o seu estado original de equilíbrio, que novamente se perde quando o próximo ciclo de existencia começa.
A VISÃO DE DEUS É POSSIVEL
COM A AJUDA DE SATTVA-GUNA
A preponderância da guna sattva conduz ao crescimento espiritual da pessoa. Alguém dotado da predominância da guna sattva adquire uma natureza divina e é abençoado com a visão de Deus. De acordo com o Bhagavad Gītā, uma pessoa assim é destemida, tem uma mente pura, tem um estável conhecimento de sua natureza divina, tem controle sobre os seus órgãos externos, gosta de estudar as escrituras, tem resistência física e mental, e é direta e objetiva em todos os momentos. Não causar injuria, a veracidade, a renuncia dos prazeres sensórios, a bondade para com as criaturas, a gentileza, a modéstia, o vigor, o perdão, a fortaleza, a ausência da raiva, do hábito do aviltamento, da cobiça, da inquietação, da malícia e da arrogância são as outras qualidades de uma pessoa dotada da preponderância da guna sattva.
A guna sattva concede a liberação espiritual, a guna rajas causa a escravidão através do apego as ações, e a guna tamas causa o pensamento confuso e a violência sem sentido. A seguinte parábola de Srī Rāmakrishna expressa essas idéias de uma forma muito bonita.
Um dia, quando um homem rico estava passando através de uma floresta, ele caiu nas mãos de três ladrões que roubaram todo o seu dinheiro. Então um dos ladrões disse, “Qual a utilidade de manter este homem vivo? Vamos mata-lo.” Ao dizer isso, o ladrão estava prestes a matar o homem com a sua espada, quando o segundo ladrão disse, “Não faz sentido mata-lo desnecessariamente, vamos amarrar seus pés e mãos e deixa-lo aqui. Assim ele não será capaz de chamar a polícia.” Assim, os ladrões amarraram o homem com uma corda e foram embora deixando-o ali. Depois de um tempo, o terceiro ladrão retornou e disse ao homem, “Desculpe-nos por toda essa dificuldade, eu vou te soltar.” Ele então libertou o homem e o levou para fora da floresta. Enquanto se aproximavam da estrada, o ladrão disse, “Siga esta estrada, ela vai leva-lo até a sua aldeia.” O homem rico sentiu-se muito agradecido e convidou o ladrão para acompanha-lo até a sua casa. O ladrão então disse, “Não é possível para mim ir até lá. Há uma delegacia na sua aldeia, e se eu for até lá a polícia vai me prender.” Ao dizer isso, o ladrão foi embora.
O primeiro ladrão que queria matar o homem rico era o tamo-guna. A guna tamas cria o pensamento confuso e a violência desnecessária. O segundo ladrão é a guna rajas, que prende o homem ao mundo e o envolve em suas inúmeras atividades. A rajo-guna faz a pessoa se esquecer de Deus. O terceiro ladrão representa a guna sattva. É apenas sattva-guna que mostra o caminho para Deus e causa a liberação da escravidão do mundo. Ir até a casa do homem rico é como alcançar a Deus. A sattva-guna pode direcionar a pessoa até Deus, mas ela mesma não pode ir até lá. Deus, sendo espírito, está além da matéria, ou das três gunas. Isso explica o porque do terceiro ladrão não poder ir até a casa do homem rico.
AS ALMAS LIBERADAS
VÃO ALÉM DAS TRES GUNAS
Para alcançar a liberação espiritual, o aspirante espiritual tem de transcender as três gunas. No Bhagavad Gītā, Srī Krishna, uma encarnação divina, diz a seu discípulo Arjuna: “Vá além das três gunas.” Em outras palavras, vá além da matéria e manifeste o seu espírito divino.
XX
A CRIAÇÃO
INTRODUÇÃO
O hinduísmo apresenta mais de uma teoria a respeito da criação deste mundo. As varias escolas da filosofia religiosa hindu, tais como Sānkhya, Vaisheshika, Mīmāmsā, Vedānta e outras, têm diferentes teorias a respeito da criação. Sānkhya, Yoga, Nyāya, Vaisheshika e Vedānta, consideram a criação algo sem começo e sem fim, e tem o conceito de uma série infinita de sucessivas criações e dissoluções do mundo. Antes da criação, o mundo inteiro permanece num estado potencial, ou estado-semente, em Deus. Isso se chama avyakta, ou o estado não manifesto do mundo. O mundo se manifesta quando Deus projeta o mundo a partir de si mesmo. O mundo após a manifestação, ou criação, permanece dentro de Deus e passa por um processo de evolução. O mundo evoluído existe por um determinado período de tempo, que dura bilhões de anos, até que Deus decide trazer de volta o mundo para Si próprio. Depois de se recolher, o mundo retorna ao seu estado-semente, ou não manifesto. A projeção do mundo, a sua existência temporária, e o seu retorno para Deus, formam um kalpa, ou ciclo.
Uma analogia vai esclarecer esta idéia. Suponhamos que um homem vá ao seu médico para o seu checkup anual. Um exame de raio X mostra que um tumor benigno está se formando dentro de seu estômago, e esse tumor cresce mais e mais até que se torna tão grande quanto um ovo de galinha, permanecendo assim por um certo tempo. Então, sem nenhum tratamento, o tumor gradualmente encolhe e desaparece completamente.
Nessa analogia em particular, o homem representa Deus, e o tumor simboliza o mundo. Da mesma forma que depois de projetar-se a partir de Deus, o mundo evolui dentro Dele e eventualmente retorna para Ele, o tumor aparece dentro do corpo do homem, começa a evoluir e crescer dentro dele, até que finalmente retorna para o lugar de onde veio. A aparência do tumor, o seu crescimento gradual e continuação, e o seu desaparecimento, simbolicamente representam um kalpa, ou um ciclo. De acordo com o hinduísmo, existe uma série infinita de tais ciclos, ou kalpas, e é por isso que entendesse a criação como algo sem fim e sem começo. Acreditasse que cada kalpa é idêntico aos outros kalpas que o precederam e que o sucederam.
No hinduísmo, algumas questões tem sido levantadas a respeito do motivo de Deus para a criação. Todas as ações são motivadas por um sentimento de querer, mas se Deus não tem nenhum desejo, porque deveria Ele agir? Ou, em outras palavras, porque ele cria? Um texto de uma escritura, nos dá uma resposta um tanto quanto poética para esta pergunta, e como se ecoasse a voz de Deus, nos diz, “Eu devo ser muitos. Que Eu numerosamente manifeste o Meu Ser.” Isso significa que Deus, mesmo sendo a única realidade, queria “se tornar” este universo multifacetado; por isso a criação. O seu desejo de criar o mundo não foi gerado por nenhum “real” sentimento de querer, ou desejo. Desse ponto de vista, a criação é apenas um “jogo”, ou līlā.
Será que Deus realmente se tornou o mundo? Para responder a esta pergunta, algumas escolas de filosofia hindu dizem que sim, Deus realmente se tornou este universo multifacetado da mesma forma que o leite se torna iogurte. Outras escolas dizem que Deus apenas aparenta ter se tornado esta mundo; na verdade Ele não se tornou este mundo. Para aquele que olha, uma corda num lugar escuro, pode aparentar ser uma cobra, e é da mesma forma que Deus aparentemente torna-se este mundo, mas na verdade Ele não se transformou no mundo.
O hinduísmo, enquanto religião, possui a habilidade única de acomodar idéias teístas e ateístas. Por exemplo, a escola sānkhya de filosofia hindu, que é ateísta, é aceita lado a lado no hinduísmo com outras escolas de filosofia que acreditam na existência de Deus. O sistema sānkhya, embora ateísta, pode ajudar as pessoas a alcançarem a liberação espiritual. A maneira através da qual o sistema sānkhya explica a ausência de um Deus criador, pode ser de interesse para os leitores.
A teoria sānkhya da criação
O sistema sānkhya é o mais antigo de todas as escolas de filosofia hindu. Esse sistema reconhece dois tipos de verdades últimas: (1) purusha e (2) prakriti.
Purusha é consciência pura, ou sentiência pura. Não tem causa, é imutável, eterno e onipresente. É o espírito puro, e como tal, nele a matéria é totalmente ausente. É também inteiramente passivo. Existem inúmeros purushas. Existem tantos purushas quanto existem seres conscientes. Objeções tem sido levantadas por outras escolas a respeito do conceito da sānkhya de muitos purushas. De acordo com elas, se purusha é onipresente, a idéia de muitos purushas ocupando o mesmo espaço não pode ser aceita. A resposta da sānkhya para tal objeção é a de que os purushas não tem dificuldade em coexistir, da mesma forma que as luzes, a partir de diferentes velas, podem ocupar o mesmo espaço sem nenhum conflito. A escola sānkhya também argumenta a favor da pluralidade de purushas ao apontar que se existisse apenas um purusha, o nascimento ou a morte de um ser consciente, seria também a causa do nascimento e da morte de todos os outros seres conscientes. Esse não sendo o caso, devem haver muitos purushas.
Prakriti, o oposto de purusha, é a matéria primordial inconsciente, e apesar de não ter causa, é a causa de tudo neste universo, seja matéria, energia, ou até mesmo mente. A psicologia hindu afirma muito claramente que a mente, não importando o quão sutil, não é outra coisa que substância material. Deveríamos lembrar aqui que purusha, sendo espírito puro, não tem a sua causa em prakriti.
De acordo com a escola sānkhya, prakriti é composta por três substâncias extremamente sutis, chamadas de sattva, rajas e tamas. O processo da criação começa quando prakriti empresta consciência do purusha e começa a agir como uma entidade consciente. O primeiro sinal de atividade consciente de prakriti é visto na sua tendência de transformar-se, tendo como resultado final, este mundo multifacetado. Em outras palavras, a matéria primordial, prakriti, torna-se o mundo através do processo de evolução.
* diagrama – O processo da criação (Escola Sānkhya)
O primeiro produto da evolução de prakriti é Mahat, ou o intelecto cósmico. Ahankāra, ou o ego cósmico, é o segundo produto de prakriti.
Existem três tipos de ego cósmico: (1) o ego no qual a substância sattva é predominante, (2) o ego no qual a substância rajas é predominante e (3) o ego com a preponderância de tamas. Do primeiro surgem os cinco órgãos dos sentidos, os cinco órgãos motores e a mente. Do terceiro surgem as cinco essências físicas sutis, ou tanmātras. O segundo – no qual rajas é predominante – provê a energia através da qual o primeiro e o terceiro evoluem.
A partir dos tanmātras, os cinco elementos físicos densos, ou mahābhūtas: (1) ākāsha – o elemento espaço, (2) vāyu – o elemento ar, (3) agni – o elemento fogo, (4) ap – o elemento água, e (5) kshiti ou prithivī – o elemento terra. Esses elementos se misturam em proporções diferentes, seguindo algumas regras de permutação e combinação, assim tornando-se este universo multifacetado.
A criação de acordo com a escola de filosofia Vedānta
A escola não-dualista de filosofia Vedānta, aceita Deus como sendo o criador deste mundo, embora sustente a visão de que o mundo é apenas uma transformação aparente de Deus.
A escola de filosofia Vedānta usa uma analogia para explicar de que maneira Deus criou este mundo. Suponhamos que um mágico tenha hipnotizado a platéia. Através de sugestão hipnótica, ele cria uma macieira no palco. Toda a platéia verá aquela macieira, mas não o mágico, porque ele não está sob o efeito do seu próprio poder hipnótico. Similarmente, Deus (Īshvara), usando o seu poder mágico, ou māyā, criou este mundo. Este mundo é real para aqueles que estão sob a magia da māyā de Deus, mas não é real para Deus. A partir do Seu ponto de vista, na verdade Ele não criou o mundo, embora para nós que estamos sob o efeito da māyā, o mundo parece ser real. A partir do nosso ponto de vista, Deus, o Criador, também parece ser real. O hino à criação no Rig-Veda, belamente expressa essa idéia:
Então, não era nem o não-existente, nem o existente;
Não existia atmosfera, nem os céus que estão além.
O que existia então? Onde? Aos cuidados de quem?
Será que era água? ou um insondável abismo?
Ali não existia nem o mortal, nem o imortal;
Não existia distinção entre a noite e o dia.
Através de um poder inerente, somente Aquilo respirava.
À parte d’Aquilo, nada mais existia.
No início era a escuridão, escondida pela escuridão:
Tudo isso era um mar indistinto.
O germe de todas as coisas, envolto num vácuo,
através do poder do pensamento, apenas Aquilo nasceu.
No início, sobre Aquilo, nasceu o desejo,
o primeiro fruto daquele pensamento.
Depois de buscar com sabedoria no coração,
os sábios descobriram que esse desejo era a ligação,
entre o existente e o não-existente.
Alinha de visão deles estendeu-se diretamente:
Aquilo estava abaixo? Aquilo estava acima?
Haviam semeadores, haviam poderes:
Abaixo, a energia potencial,
acima, o impulso.
Afinal, quem sabe?
Quem aqui vai declarar quando surgiu este mundo?
Os deuses são subsequentes a criação deste mundo.
Quem então sabe quando isso começou a ser?
Este mundo – quando passou a ser,
se foi feito ou não – Aquele que vê tudo a partir dos céus mais elevados,
com certeza sabe – ou talvez nem Ele saiba!
Na última estrofe do hino no Rig-Veda, algumas dúvidas são levantadas no que diz respeito a real criação do mundo. “Aquele que vê tudo a partir dos céus mais elevados” não é outro que não Īshvara, ou o Deus Criador. Ele é onisciente, e deve saber se o mundo foi criado ou não. Se Ele não souber, talvez isso signifique que a partir de Seu ponto de vista, nenhum mundo foi realmente criado, e para algo que não foi realmente criado, a questão de conhecer a sua existência não surge. Portanto, isso não contradiz a onisciência de Īshvara.
Não obstante, do ponto de vista dos mortais que estão sob o feitiço de māyā (o poder de Deus de criar ilusão), o mundo é real, e deve ter uma causa e um criador. Do ponto de vista deles, Deus criou o primeiro ser, Hiranyagarbha, com um mero pensamento. Mesmo que seja uma criação de Deus, Hiranyagarbha é dotado de quase todos os poderes divinos. Ele tem infinitos poderes de conhecimento, vontade e ação. Através da meditação, Hiranyagarbha sabe de tudo a respeito do kalpa, ou ciclo anterior, e cria então, através de seu pensamento, o restante do mundo, seguindo exatamente a ordem do kalpa anterior.
Primeiro, ākāsha, ou o elemento espaço é criado. Então, em sucessão são criados vāyu, o elemento ar, agni, o elemento fogo, ap, o elemento água, e prithivī, o elemento terra. Em sânscrito, algo que vem a existir chama-se bhūta, e esses cinco elementos manifestados chamam-se bhūtas. Esses elementos são extremamente sutis. O equivalente em sânscrito para as palavras cinco e sutil são respectivamente pancha e sūkshma. Por isso, esses cinco elementos sutis chamam-se pancha sūkshma- bhūtas.
Esses cinco elementos sutis se combinam de cinco maneiras diferentes, assim formando os cinco elementos densos, em sânscrito, sthūla. Esses cinco elementos chamam-se pancha sthūla- bhūtas. O processo de mistura desses cinco elementos sutis, para formar os cinco elementos densos, chama-se panchīkarana em sânscrito. As formulas de tais combinações é apresentada aqui:
. ½ espaço sutil + 1/8 ar sutil + 1/8 fogo sutil + 1/8 água sutil + 1/8 terra sutil, produzem o elemento espaço “denso”.
. ½ ar sutil + 1/8 espaço sutil + 1/8 fogo sutil + 1/8 água sutil + 1/8 terra sutil, produzem o elemento ar “denso”.
. ½ fogo sutil + 1/8 espaço sutil + 1/8 ar sutil + 1/8 água sutil + 1/8 terra sutil, produzem o elemento fogo “denso”.
. ½ água sutil + 1/8 espaço sutil + 1/8 ar sutil + 1/8 fogo sutil + 1/8 terra sutil, produzem o elemento água “denso”.
. ½ terra sutil + 1/8 espaço sutil + 1/8 ar sutil + 1/8 fogo sutil + 1/8 terra sutil, produzem o elemento terra “denso”.
O corpo sutil do homem é composto dos cinco elementos sutis, e o seu corpo denso e todos os objetos densos da natureza surgem da mistura dos cinco elementos densos.
* diagrama – A evolução dos elementos densos a partir dos elementos sutis (Escola Vedānta)
PRALAYA
OU A DISSOLUÇÃO DO MUNDO
Por ter sido criado, não importando o quão glorificado ou dotado de poder ele seja, Hiranyagarbha tem uma longevidade limitada. Um dia de sua vida, chamado de kalpa, é igual a 4.320.000.000 anos humanos, e ele vive por 100 anos de acordo com essa escala temporal. De acordo com uma outra visão, um kalpa consiste de 8.640.000.000 anos humanos. O tempo de vida de Hiranyagarbha é chamado de mahā-kalpa.
Quando Hiranyagarbha adormece depois de um dia de trabalho, a dissolução cósmica, ou pralaya acontece e chama-se naimittika pralaya. Quando ele desperta, a criação do mundo começa mais uma vez. Esse processo de criação e dissolução continua até que Hiranyagarbha morre ao final do mahā-kalpa. Quando Hiranyagarbha morre, ele se funde com Deus tornando-se um com Ele. Em outras palavras, ele se libera e não nascerá novamente. Na morte, ou liberação de Hiranyagarbha, o mundo passa pela dissolução final, que chama-se prākrita pralaya, quando então o mahā-kalpa termina.
Através da vontade de Deus, e pela virtude de extraordinários méritos alcançados durante o kalpa anterior, ou ciclo de criação, um outro exaltado ser mortal surge como Hiranyagarbha, iniciando o próximo ciclo de criação. Assim perpetuamente repete-se o processo de criação, continuação e dissolução do universo.
UMA OBJEÇÃO E UMA REFUTAÇÃO
A TEORIA HINDU DA CRIAÇÃO
A cosmologia hindu pode parecer incerta em relação a criação deste mundo, porque se tivesse certeza, haveria oferecido apenas uma teoria a respeito da criação. Porque apresenta mais de uma teoria, alguém pode argumentar que, ou todas as teorias estão erradas, ou apenas uma está certa.
Ainda assim, tal objeção não oferece qualquer problema para a escola Vedānta de filosofia não-dualista. Shankara, um grande santo e filosofo não-dualista da Índia, diz que este mundo tem uma existência empírica, mas não uma existência definitiva. Em outras palavras, o mundo é real apenas por enquanto; não sendo definitivamente real. Em última instância, quando a irrealidade do mundo é estabelecida, todas as teorias a respeito da criação provam-se inválidas e sem significado. Portanto, não importa se existem muitas ou apenas uma teoria a respeito da criação.
Para entender a posição não-dualista de Shankara, precisa-se estar familiarizado com o significado da palavra “real” na filosofia hindu. De acordo com a filosofia hindu, algo real deve ser eterno e imutável.
Por exemplo, se uma pessoa visse um dinossauro aparecer no seu quintal, permanecer ali por um minuto, e de repente evaporar, ela saberia que o que ela viu não era real. Ela saberia que a sua visão do dinossauro foi causada por uma ilusão de ótica, ou pela sua imaginação fértil. Por outro lado, se aquele dinossauro existisse para sempre, seria então considerado real pela pessoa. Nesse caso, o julgamento da realidade do dinossauro estaria baseado em sua perpetuidade.
Suponhamos então que um observador está vendo uma criatura que muda de forma a cada minuto. No primeiro minuto ela é um cão, então se torna um esquilo, depois um racoon, e depois algo diferente. Devido a sua natureza de constante mudança, o observador não é capaz de determinar a verdadeira natureza daquela criatura, não sabendo assim o que ela “realmente” é. Se a criatura não apresentasse nenhuma mudança, não haveria dificuldade em afirmar a verdadeira, ou “real” identidade dela. Ela seria conhecida por sua “imutabilidade”.
O mundo tem início no tempo, portanto, não pode ser eterno; deve ser transitório. Sendo transitório, não pode ser real. Assim, a irrealidade do mundo pode também ser determinada pelo seu caráter de constante mudança.
Para explicar o caráter ilusório, ou irreal do mundo, Shankara usa a analogia de uma corda, que quando vista no escuro, parece ser uma cobra. A “realidade” é a corda, embora seja vista como sendo uma cobra. Enquanto a ilusão durar, a assim chamada cobra parecerá ser real. Quando a escuridão se vai, a assim chamada cobra desaparece, e o observador realiza que embora a cobra parecesse existir, na verdade ela nunca esteve ali.
De acordo com Shankara, a corda representa Nirguna Brahman, ou o Deus impessoal, e a cobra representa o mundo. Nirguna Brahman, sendo eterno e imutável, é a única realidade que existe. Para uma pessoa que veio a conhecer Nirguna Brahman, o mundo já não é mais real. Ela também vem a saber que o mundo nunca foi criado. Portanto, a questão a respeito da origem, ou criação de um mundo “não-criado” não pode surgir.
XXI
MOKSHA OU
LIBERAÇÃO DA SAMSĀRA
INTRODUÇÃO
O derivado da palavra em sânscrito, samsāra, é “as repetidas passagens das almas através de diferentes mundos – densos e sutis”. Em outras palavras, samsāra significa passar por repetidos ciclos de nascimentos e mortes. De acordo com o hinduísmo, o objetivo da vida é estar livre, ou ser liberado desses repetidos nascimentos e mortes. Tal liberação chama-se moksha, ou mukti em sânscrito. Moksha pode ser atingida apenas através da realização de Deus.
As varias escolas de filosofia hindu (darshana) sustentam diferentes visões a respeito de moksha. Algumas escolas dizem que moksha pode ser alcançada pelas pessoas apenas após a morte, e outras dizem que pode ser ela atingida enquanto se está vivo. Também existem opiniões diferentes a respeito da natureza de moksha. Os parágrafos seguintes vão introduzir o leitor a esses diferentes conceitos e visões.
MOKSHA
DE ACORDO COM A ESCOLA FILOSÓFICA
“DVAITA”
A escola de filosofia Vedānta dualista, ou Dvaita, acredita apenas na liberação após a morte. Uma pessoa que passou através de rigorosas disciplinas éticas e morais, seguidas pelo conhecimento correto, pela ação correta, pelo desapego e meditação devocional em um Deus pessoal (Vishnu), torna-se apta a liberação, ou moksha, através da amorosa graça de Īshvara. De acordo com essa escola, existem quatro graus, ou níveis de moksha: (1) sālokya, (2) sāmīpya, ou sānnidhya, (3) sārūpya, e (4) sāyujya. Entra as quatro, a primeira é a inferior e a última é a superior. Dependendo do progresso espiritual da alma pode atingir qualquer um dos quatro tipos de moksha.
Na sālokya-mukti, a alma vai para ishta-loka (onde está o Deus pessoal, tal como onde reside Vishnu), e ali permanece desfrutando da bem-aventurança de Sua presença; na sāmīpya, ou sānnidhya-mukti, a alma desfruta da bem-aventurança da extrema proximidade com o Deus pessoal; na sārūpya-mukti, a alma toma a forma do Deus pessoal e desfruta de intensa bem-aventurança; na sāyujya-mukti a alma é absorvida na bem-aventurança do Deus pessoal.
MOKSHA
DE ACORDO COM A ESCOLA
FILOSÓFICA “ADVAITA”
A escola de filosofia Vedānta não-dualista Advaita, acredita que a pessoa pode estar liberta da samsāra, mesmo enquanto vive. Essa liberação, em sânscrito, chama-se jīvan-mukti. De acordo com essa escola, um aspirante espiritual tem que primeiro passar por várias práticas éticas e morais, adoração de um Deus pessoal etc. Tais observâncias gradualmente purificam a mente e preparam-na para intensa meditação na realidade divina impessoal (Nirguna Brahman). Essa meditação capacita-o de ter ātmajnāna, ou o conhecimento do seu divino Ser interior. A ātmajnāna elimina a camada de ignorância que cobre o conhecimento de Deus, e a liberação chega assim que a ignorância é aniquilada. Ele então torna-se um jīvan-mukta (aquele que atingiu jīvan-mukti). Depois de atingir jīvan-mukti, ele já não pensa a respeito de si mesma como sendo um ser corpóreo. Para um jīvan-mukta, o seu corpo – como o resto do mundo – parece ilusório. O corpo ilusório do jīvan-mukta continua a existir enquanto o seu prārabdha karma durar. Quando o prārabdha karma se exaure e o corpo ilusório morre, o jīvan-mukta atinge a sua liberação fora do corpo, chamada de videha-mukti.
De acordo com um ponto de vista, um jīvan-mukta pode perder todo o interesse por seu corpo ilusório, imediatamente após atingir jīvan-mukti. Consequentemente, o seu corpo desfalece em questão de dias, causando a sua sadyomukti, ou “liberação imediata”.
Outros eruditos dizem que o termo jīvan-mukti, do ponto de vista daqueles que atingiram ātmajnāna, significa sadyomukti, ou liberação imediata. Depois de alcançar ātmajnāna, essas almas liberadas não são capazes de se identificar com os seus corpos, que junto com o resto do mundo se tornaram ilusórios e irreais. Que eles saibam, seus corpos não estão realmente ali, e sendo assim, de seus pontos de vista eles já atingiram sadyomukti. Ainda assim, observadores que vêem essas almas podem chama-los de jīvan-muktas.
Existe ainda um outro conceito a respeito da liberação, chamado de krama-mukti, ou avāntara-mukti (liberação através de estágios). De acordo com esse conceito, uma pessoa que tenha intensamente meditado em Saguna Brahman, usando sagrado símbolo sonoro OM, ou algum outro método de meditação, tal como dahara-vidyā, shāndilya-vidyā etc, vai para Brahma-loka depois da morte. Ela atinge o conhecimento de Nirguna Brahman sob a orientação de Hiranyagarbha. Quando todo o universo se dissolve no final do kalpa, ela se torna uma com Brahman e jamais renasce. Esse tipo de liberação da samsāra se chama krama-mukti, ou avāntara-mukti.
MOKSHA
DE ACORDO COM A ESCOLA
FILOSÓFICA “VISHSHTĀDVAITA”
A escola de filosofia Vedānta de não-dualismo qualificado, Vishshtādvaita, não aceita a idéia de jīvan-mukti. Uma pessoa só pode ser liberada após a sua morte. Moksha significa viver na bem-aventurança de vaikuntha, que é onde reside o Deus pessoal. Ela vive na presença de Deus, num corpo espiritual, e adquire muitos poderes tais como a onisciência etc, embora diferentemente dos deuses, ele não possa criar, sustentar ou dissolver o mundo. Apesar de seu estado exaltado, ele permanece subserviente a Deus.
De acordo com essa escola, a liberação não pode ser alcançada através do ātmajnāna, como diz o sistema advaita. Essa escola também diz que a karma yoga e a jnāna yoga são apenas auxílios para a bhakti yoga. A pessoa pode se liberar da escravidão da samsāra apenas através da graça de Deus, e as práticas da bhakti yoga seriam a única maneira de se obter essa graça divina.
MOKSHA
DE ACORDO COM A ESCOLA
FILOSÓFICA “SĀNKHYA”
Nesse sistema, a alma, ou espírito é o purusha, e o complexo corpo-mente é uma forma evoluída da matéria primordial inconsciente, prakriti. Purusha é consciência pura; prakriti, mesmo que inerentemente inconsciente, funciona tomando emprestada a consciência do purusha. A escravidão do purusha é causada por aviveka, ou a falsa identificação do purusha com prakriti e seus fatores evolutivos como mente, corpo etc. Essa falsa identificação com o complexo corpo-mente é causada pela ignorância do purusha, que enquanto escravizado, sofre dores mentais e físicas. Para se livrar dessa condição, purusha deve adquirir o conhecimento de que, por ser espírito, é completamente diferente e distinto de prakriti e de seus fatores evolutivos – o complexo corpo-mente. Esse conhecimento chama-se viveka-jnāna. No sistema sānkhya, moksha (também chamada de kaivalya) significa a completa cessação de sofrimento e da dor. É viveka-jnāna que causa moksha ao purusha libertando-o de prakriti.
O sistema sānkhya, assim como o sistema advaita, aceita a idéia de jīvanmukti, ou a emancipação da alma enquanto está vivendo num corpo. Quando um jīvanmukti morre, ele atinge videha-mukti.
MOKSHA
DE ACORDO COM A ESCOLA
FILOSÓFICA “PŪRVA-MĪMĀMSĀ”
Essa escola acredita apenas na liberação da alma após a morte. Ela não acredita em jīvanmukti, e diz que moksha pode ser alcançada através da performance correta dos rituais apresentados nos Vedas. O conceito de moksha quando o sistema pūrva-mīmāmsā surgiu, era o de que uma alma liberada iria para o céu e lá desfrutaria para sempre da bem-aventurança paradisíaca. Mais tarde, a escola pūrva-mīmāmsā passou a descrever moksha como sendo um estado livre da possibilidade de renascimento, e sendo assim, livre da possibilidade de conseqüente dor e sofrimento, não mais falando sobre moksha como sendo um estado de bem-aventurança paradisíaca.
XXII
CONCLUSÕES
O HINDUÍSMO É REALISTICO
NÃO É NEM OTIMISTA, NEM
PESSIMISTA
Alguns eruditos são da opinião de que o hinduísmo é uma religião pessimista, e dizem que o hinduísmo tem uma visão pessimista em relação ao mundo e tende a dar mais ênfase a um outro mundo, ignorando assim o mundo no qual vivemos. Mas as escrituras mais autênticas do hinduísmo, como o Rig-Veda e o Yajur-Veda, nos dão uma visão completamente diferente. Através delas, podemos saber que os arianos do período védico, desfrutavam de um padrão muito alto de conforto material, e para eles este mundo era bom e desfrutável; não era mal. De acordo com o Īsha Upanishad, “(o homem) deveria desejar viver por cem anos”. Os arianos vestiam roupas finas e jóias de ouro, desfrutavam da música, da dança, da boa comida e do vinho. Vacas leiteiras, sua principal riqueza, eram numerosas. Existem menções a respeito do paraíso, mas praticamente não há menção a respeito do inferno.
Um estudo imparcial do hinduísmo revelará que ele não é nem pessimista, nem muito otimista. Muito otimismo com freqüência causa desapontamentos, enquanto que o pessimismo rouba a iniciativa das pessoas. Nenhum dos dois é encorajado pelo hinduísmo. O hinduísmo é puramente realístico, e encoraja os seus seguidores a reconhecer a verdadeira natureza do mundo e agir de acordo com ela.
As escrituras hindus falam a respeito de dois objetivos almejados pelo homem: (1) o agradável e (2) o bom. O que é agradável não é necessariamente bom, e o que é bom não é necessariamente agradável. Além do mais, aquilo que é agradável agora, pode se tornar desagradável mais tarde. Comer um bolo de chocolate pode ser uma experiência agradável, mas uma pessoa forçada a comer oito bolos de chocolate seguidos, enquanto uma arma está apontada para ela, é tortura. Para um alcoólatra, beber pode ser agradável, mas certamente não é bom para ele. Se exercitar diariamente não é necessariamente agradável, mas sem dúvida é bom para a saúde da pessoa. Da mesma maneira, certas indulgências mentais e físicas, podem ser agradáveis, mas não são boas nem para a mente , nem para o corpo. O hinduísmo pede a seus seguidores que desistam de tais indulgências, e não os encoraja a viver num mundo fantasioso e irreal onde o que é ruim é apresentado como algo bom, e o que é prejudicial, imaginasse ser benéfico apenas porque é agradável. O hinduísmo exorta os seus seguidores a serem realísticos e se agarrarem àquilo que é bom, deixando de lado aquilo que apesar de agradável, não é bom.
O HINDUÍSMO NÃO É FATALISTA
O hinduísmo não acredita em fatalismo. De acordo com a doutrina do karma, o futuro de uma pessoa é criação dele ou dela. As boas e más ações praticadas no presente, vão causar desfrute ou sofrimento no futuro. Para criar um futuro melhor, a pessoa deve utilizar sabiamente o momento presente através da prática de boas ações. Culpar uma outra pessoa pelo próprio sofrimento, não é apoiado pelo hinduísmo. A pessoa deve tomar total responsabilidade por suas boas e más ações, e por seu conseqüente prazer e dor.
A POSIÇÃO DO HINDUÍSMO
NO QUE DIZ RESPEITO A
MORTIFICAÇÃO DO CORPO
A mortificação sem propósito e neurótica do corpo, não é encorajada pela principal corrente do hinduísmo. A austeridade física é encorajada apenas porque ajuda a fortalecer a mente. Uma pessoa que não é facilmente afetada pelo calor ou pelo frio, pelo prazer ou pela dor, é uma pessoa mentalmente mais forte. É mais provável que ela seja capaz de lidar com os vários problemas da vida sem ser derrotada por eles. A identificação demasiada com o corpo torna a pessoa mentalmente fraca, embora o hinduísmo claramente proíba os seus seguidores de irem a qualquer extremo. Negligenciar o corpo não é necessariamente uma virtude. Sharīramādyam khalu dharmasādhanam – “O corpo é o principal instrumento para a prática da religião, ou dharma”- diz o hinduísmo. Portanto, o corpo deve ser cuidado. As escrituras hindus também ensinam que o corpo é o templo de Deus, porque a alma, ou o divino Ser interior reside nele.
A IDÉIA E A PRÁTICA DA
NÃO-VIOLÊNCIA
NO HINDUÍSMO
Apesar de considerar a não-violência uma virtude, o hinduísmo não é cego ao fato de que devemos ser violentos de um modo ou de outro para sobreviver. Milhares de formas de vida microscópicas são mortas toda vez que respiramos, cada grão de comida que comemos contém vida, portanto é impossível evitar completamente que cometamos violência. Tudo que o hinduísmo espera de seus seguidores, é que estes, minimizem conscientemente a violência, o tanto quanto for prático, assim livrando-se de uma atitude mental violenta.
Não obstante, a violência que se justifica numa causa nobre, pode às vezes ser apoiada pelo hinduísmo. Tal justificativa deve vir do que é ditado pelas escrituras, e não de qualquer outra fonte. Se um inimigo ataca um pais, os soldados devem repelir, subjugar ou matar o inimigo. Defender o pais é o dever religioso dos soldados, embora matar um inimigo que está fugindo, ferido, sem defesa ou incapacitado, não é permitido pelas escrituras. Um soldado que foge do campo de batalha por medo, e quer justificar a sua covardia na virtude da não-violência, faltou no cumprimento do seu dever e é um hipócrita.
Idealmente falando, uma pessoa que é verdadeiramente não violenta, não deve ferir ninguém seja fisicamente, mentalmente ou verbalmente. A total não-violência é possível apenas para uma alma espiritualmente iluminada, pois tal alma perde a sua falsa identificação com o complexo corpo-mente e vem a conhecer a sua verdadeira identidade divina. Ela experiencia Deus como sendo a essência de todas as coisas e de todos os seres, inclusive ela mesma, não podendo assim odiar ou prejudicar ninguém.
Apenas uma pessoa assim pode amar aos seus inimigos, porque não vê inimigos em lugar algum. Tudo que ela experiencia é a manifestação de Deus, e por não poder se identificar com o complexo psico-físico, não pode se responsabilizar pelo que o seu corpo e mente fazem. Ela perde a noção de que é ela que age, transcendendo assim a violência. O Bhagavad Gītā (18/17) diz, “Aquele que não tem a noção de que é o fazedor, ou o egoísmo, e cujo intelecto não se considera responsável pelas ações do corpo e dos sentidos, ele não mata e não é escravizado pelo resultado disso.”
A IDÉIA DE HARMONIA DAS
RELIGIÕES
É INERENTE AO HINDUÍSMO
O espírito da tolerância religiosa no hinduísmo está enraizado na afirmação do Rig-Veda, Ekam sad viprā bahudhā vadanti – “Apenas Um (Deus) existe. Os sábios O chamam por nomes diferentes.” A idéia de que Deus pode ser realizado através de diferentes caminhos espirituais tem sido por eras ensinada por santos e homens de Deus da Índia. Mas a idéia de que todas as religiões levam ao mesmo Deus é principalmente uma contribuição do santo hindu do século 19, Srī Rāmakrishna. Ele é conhecido como o profeta da harmonia das religiões, e nenhum livro sobre o hinduísmo poderia ser escrito hoje, sem o reconhecimento de sua contribuição. Alguns de seus relevantes ensinamentos estão registrados aqui, na esperança de que possam ajudar, não importando o quão pouco, na promoção da paz e do entendimento entre as pessoas religiosas do nosso mundo tão marcado por conflitos.
* ilustração – Srī Rāmakrishna
Muitos são os nomes de Deus e infinitas são as formas através das quais Ele pode ser abordado. Seja lá qual for o nome e a forma através da qual você O adora, é através dela que você irá realiza-lO.
Deus
criou diferentes religiões que se adequam a diferentes aspirantes, épocas e
países. Todas as doutrinas são caminhos válidos; mas um caminho, de jeito
nenhum, é o próprio Deus. De fato, a
pessoa pode alcançar Deus se seguir qualquer um dos caminhos com devoção total.
Uma pessoa pode comer um doce com o creme em cima ou do lado. Vai ser doce do
mesmo jeito.
Um verdadeiro homem religioso deveria pensar que as outras religiões são também caminhos válidos, que levam a verdade. A pessoa deveria sempre manter uma atitude de respeito em relação a outras religiões.
Diferentes
credos são apenas diferentes caminhos para alcançar o mesmo Deus.
Vários tipos de jóias são feitas de ouro, e apesar de serem feitas da mesma substância, elas têm formas diferentes e recebem nomes diferentes. Assim também, o único e mesmo Deus é adorado em diferentes países, sob nomes e formas diferentes.
Toda pessoa deveria seguir a sua própria religião. Um cristão deveria seguir o cristianismo, um muçulmano deveria seguir o Islam e assim por diante. Para um hindu, o antigo caminho, o caminho dos sábios arianos, é o melhor.
Não dispute. Enquanto você permanece firme na sua própria fé e opinião, permita aos outros a mesma liberdade de ter a própria fé e opinião. Através da mera disputa, você não terá sucesso em convencer o outro dos erros dele. Quando a graça de Deus descer, cada um vai entender os próprios enganos.
Foi
o próprio Deus que proveu as diferentes formas de adoração. Ele, que é o Senhor
do universo, arranjou todas essas diferentes formas, adequadas a pessoas
diferentes, em diferentes estágios de conhecimento. A Mãe prepara pratos
diferentes, adequados aos estômagos de seus filhos. Suponhamos que Ela tenha
cinco filhos. Se há um peixe a ser preparado, Ela prepara cinco pratos
diferentes – pilau, peixe com picles, peixe frito, e assim por diante – que se
adequam aos diferentes paladares e poder de digestão de seus filhos.
Deus não tem forma e ainda assim pode assumir formas. Um monge foi
visitar o templo do Senhor Jagannath na cidade sagrada de Puri. Enquanto estava
dentro do templo, dúvidas surgiram em sua mente. Ele começou a se perguntar se
Deus tem forma, ou se Ele é sem forma. Porque ele era um monge errante,
carregava consigo um bastão, e quis então tocar a imagem do Senhor Jagannath com ele, esticou-o então,
movendo o bastão do lado esquerdo para o direito através da imagem. O bastão
passou através da imagem como se ela não estivesse ali. Mas quando ele tentou
move-lo de volta, do lado direito para o esquerdo, a imagem o obstruiu. Assim,
ele compreendeu que Deus não tem forma, mas ainda assim, pode tê-las.
Um homem foi a uma floresta. Lá, pela primeira vez em sua vida, ele viu
um camaleão numa árvore. Mais tarde ele disse a alguém, “Irmão, na floresta, eu
vi uma estranha criatura vermelha numa árvore.” Um outro homem então disse, “Eu
também já vi essa criatura, mas com certeza ela não é vermelha, ela é verde.”
Então uma outra pessoa disse, “Porque verde? Eu também a vi, ela é amarela.”
Uma outra pessoa também disse que ela era violeta, e outros ainda disseram que
era azul, preta etc. Assim eles começaram a discutir e decidiram ir até a
árvore, onde encontraram um homem. Esse homem disse, “Eu vivo debaixo desta
árvore; e conheço essa criatura muito bem. O que vocês todos tem visto é bem
verdade, às vezes, ela é vermelha, às vezes verde, às vezes amarela e às vezes
azul.” Uma pessoa que contempla Deus o tempo todo – apenas ela sabe como Deus
realmente é. Apenas tal pessoa sabe que Deus se
revela de muitas formas diferentes. Às vezes Ele tem atributos, às vezes
não. Apenas aquele que vive debaixo da árvore sabe que o camaleão toma muitas
cores, e também sabe que às vezes ele é absolutamente incolor. Aqueles que não
sabem, discutem e sofrem desnecessariamente. Deus tem forma, e ainda assim Ele
é sem forma. Ele é como um oceano infinito. A gelada influência da devoção de
um aspirante espiritual, pode fazer com que a água congele, se tornando gelo.
Mas quando o sol do verdadeiro conhecimento surge, o gelo derrete, tornando-se
água mais uma vez.
CITAÇÕES DE PENSADORES DE
TODO O MUNDO
A RESPEITO DO HINDUÍSMO E DA CULTURA INDIANA
Arthur Schopenhauer (1788-1860), um filósofo alemão, disse a
respeito das escrituras do hinduísmo, os Upanishads:
“No mundo inteiro, não existe um estudo ... tão benéfico e elevador quanto os
Upanishads. Eles têm sido o consolo na
minha vida; e serão o consolo na minha morte.”
Ralph Waldo Emerson (1803-1882), conhecido poeta, ensaísta e filósofo norte-americano, escreveu: “Em todas as nações existem mentes inclinadas a concepção da unidade fundamental. Os arrebatamentos da prece e do êxtase da devoção, perdem-se em um único Ser. Tal tendência encontra uma expressão mais elevada nos escritos religiosos do oriente e principalmente nas escrituras indianas, nos Vedas, no Bhagavad Gītā e no Vishnu Purana.”
O famoso poeta, ensaísta e naturalista norte-americano Henry David Thoreau (1817-1862) escreveu: “Tudo que escutei dos Vedas caem sobre mim como a mais elevada e mais pura luz, que descreve o mais nobre curso através da mais pura camada – livre de particulares, simples, universal. Isso surge em mim como uma lua cheia depois do aparecimento das estrelas, vadiando através da longínqua camada de um verão celestial.”
Friedrich Max M. Müller (1823-1900), o famoso filologista e mitólogo inglês, disse: “Se alguém me perguntasse sob qual céu a mente humana desenvolveu mais completamente as suas preciosas dádivas, ou tem investigado mais profundamente os maiores problemas da vida, e tem também, pelo menos para alguns, provido soluções que merecem a admiração até mesmo daqueles que tem estudado Platão e Kant, eu indicaria a Índia.”
“E se alguém me perguntasse que literatura nos daria de volta (aos europeus, que foram alimentados apenas com o pensamento grego e romano...) o equilíbrio necessário para aperfeiçoar a nosso vida interior, tornando-a mais compreensiva, mais universal, em outras palavras, mais humana, uma vida não apenas para esta vida, mas sim para uma vida transformada e eterna, eu mais uma vez indicaria a Índia.”
Ele também disse: “A filosofia na Índia, é o que a filosofia deve ser, não a negação, mas o cumprimento da religião; é a religião mais elevada, e o mais antigo nome, do mais antigo sistema de filosofia na Índia é Vedanta, ou seja, o fim, a meta, o mais elevado objetivo dos Vedas.”
O conhecido historiador britânico, Arnold Joseph Toynbee (1889-1975) disse: “Neste momento extremamente perigoso da história humana, o único caminho para a salvação é o caminho indiano. O princípio de não-violência do imperador Ashoka, de Mahatma Gandhi, e o testemunho da harmonia das religiões de Srī Rāmakrishna, nos dão a atitude e o espírito que possibilitam que a raça humana cresça junta e torne-se uma única família...”
OS PRINCIPAIS FESTIVAIS
RELIGIOSOS HINDUS
Deepāwali ou Dewālī: Festival das luzes em outono. Comemorado em toda a Índia.
Mahā-Shivarātri: Adoração noturna de Deus com o Senhor Shiva; acontece na primavera. Comemorado em toda a Índia.
Pongal ou Makar Sankrānti: Adoração a Deus na época do solstício de inverno. Comemorado no sul e no leste da Índia.
Navarātri: Nove dias de adoração a Mãe Divina. Acontece durante outono, e é comemorado no norte, no centro e no sul da Índia.
Ganesh Pūja / Ganesh Chaturthī ou Vināyak Chaturthī: Adoração a Deus como o doador do sucesso; acontece no início do outono. Comemorado no oeste da Índia, principalmente no estado de Maharashtra.
Ratha Yātrā: Festival no qual uma carruagem com uma imagem simbólica de Deus é puxada pelos devotos; acontece no verão. Comemorado no leste da Índia, particularmente nos estados de Orissa e Bengala.
Holi: Festival celebrando a vida da encarnação divina Sri Krishna. Além da adoração a Deus, os devotos brincam jogando líquidos e pós coloridos uns nos outros. Acontece na primavera e é comemorado no norte e no leste da Índia.
Chhat Pūjā: Adoração a Deus
durante o inverno, usando o sol como símbolo. Acontece no leste da Índia,
particularmente nos estados de Bihar e Uttar Pradesh.
Bahāg Bihu, Kāti e Māgh Bihu: Festival das estações; acontece respectivamente na primavera, no outono e no inverno. Comemorado no nordeste da Índia, particularmente no estado de Assam.
Durgā Pūjā: Quatro dias de adoração a Deus como a Mãe Divina Durgā; acontece no outono. Comemorado no leste da Índia, particularmente no estado de Bengala.
Kālī Pūjā: Adoração noturna a Deus como a Mãe Divina Kālī; acontece três semanas depois do Durgā Pūjā. Comemorado no leste da Índia, particularmente no estado de Bengala.
Sarasvatī Pūjā: Adoração de Deus como a Mãe Divina Sarasvatī, a doadora do sucesso na educação, na música e em outras artes; acontece no inverno. Comemorado no leste da Índia, particularmente no estado de Bengala.
Srī Krishna Janmāshtamī: Celebração do nascimento da encarnação divina Sri Krishna; acontece no final do verão. Comemorado em toda a Índia.
Rakshā Bandhan: Durante o festival irmãs colocam coloridas pulseiras de algodão em seus irmãos como uma demonstração de seu amor de irmã; acontece no verão. Comemorado no norte da Índia.
Rām Navamī: Celebração do nascimento da encarnação divina Sri Rāma; acontece na primavera. Comemorado no norte da Índia.
Bhrātri Dvitīyā ou Bhāi Duj: Festival conhecido como o dia dos irmãos, quando as irmãs rezam a Deus por vida longa a seus irmãos; acontece no inverno. Comemorado norte e no leste da Índia e no Nepal.
Vaishākhī ou Navavarsha: Festival de primavera celebrando o advento do ano novo de acordo com o calendário lunar indiano. Comemorado no norte e no leste da Índia.
GLOSSÁRIO
Āchārya: Um mestre espiritual; também um professor na educação secular.
Adroha: Ausência de malícia.
Advaita: Uma das escolas de filosofia Vedānta; ensina a unidade de Deus, da alma e do universo.
Āgama: Um tipo de literatura pertencente a tradição tântrica.
Āgāmī Karma: Os efeitos das ações na vida presente, que serão experienciados no futuro; também chamada de Kriyamāna Karma.
Agni: O elemento fogo.
Agnihotra: Um tipo de adoração ritual onde o fogo é usado como um símbolo de Deus.
Ahimsā: Não-violência.
Ajnāna: Um termo da filosofia Vedānta que significa ignorância da realidade divina. De acordo com a escola de filosofia Advaita, ajnāna é responsável pela escravidão e pelo sofrimento do homem neste mundo.
Ākāsha: O elemento espaço.
Alolupta: Não-cobiça.
Ānanda: Bem-aventurança.
Antevāsin: Um estudante.
Ap: O elemento água.
Apaishuna: Abstenção do aviltamento.
Aparigraha: Não aceitar presentes desnecessários.
Ārātrika (Ārati): Adoração ritual a Deus. São usados símbolos dos cinco elementos que, de acordo com o hinduísmo, compõe este mundo. Incenso (e flores), água, luz (fogo), um abano, e um pedaço de pano ou lenço são usados como símbolos para representar os elementos terra, água, fogo, ar e éter (o céu). Os símbolos são oferecidos através de gestos na frente das imagens.
Ardhānginī: (lit. meio corpo) Uma esposa.
Ārjava: Objetividade.
Arjuna: Um heróico príncipe do Mahābhārata, filho do rei Pāndu ,e amigo e discípulo de Sri Krishna.
Artha: Riqueza, uma das quatro metas da vida humana.
Ārya: Indo-ariano.
Ārya dharma: A religião dos indo-arianos.
Ārya Samāj: Uma organização reformista hindu, iniciada por Swāmī Dayānanda Sarasvatī.
Ver “Dayānanda Sarasvatī ”.
Āryāvarta: A terra dos indo-arianos.
Āsana: Postura sentada; relativa a Raja Yoga.
Ātman: O Ser; a alma ou espírito interior.
Ātyantika Pralaya: Dissolução total do universo.
Avatāra: Encarnação de Deus.
Avāntara mukti: Liberação alcançada em estágios; também conhecida como krama-mukti.
Avidyā: Um termo da filosofia Vedānta; significa ignorância. Ver “ajnāna”.
Avyakta: O estado não manifesto do universo.
Bhakti Yoga: O caminho do amor; uma dos quatro tipos fundamentais de disciplina espiritual.
Bhagavad Gītā: Uma conhecida escritura hindu; parte do épico Mahābhārata.
Bhūta: (lit. o que veio a ser) Qualquer um dos cinco elementos básicos que constituem o universo. Respectivamente, ākāsha, vāyu, agni, ap e kshiti.
Brahman: Deus impessoal; a realidade absoluta.
Brahmā: Deus como criador; o nome do aspecto criador de Deus.
Brahmacharya: O primeiro estágio da vida hindu; o estágio do estudante. Também significa celibato.
Brahmaloka: O mais elevado plano existencial.
Brahmin: Pessoa que pertence a casta sacerdotal.
Brāhmo Samāj: Uma organização teísta da Índia, fundada por Rājā Rāmmohan Roy.
Buddha: Uma das encarnações de Deus; também fundador do budismo.
Budismo: Uma religião que é uma vertente do hinduísmo. É ateísta e tem como meta da vida espiritual, a completa cessação da miséria.
Chandī: Uma escritura na qual a Mãe Divina é descrita como sendo a realidade última. O Chandī é parte do Mārkandeya Purāna.
Chidākāsha: O espaço do “conhecimento”.
Chit: Consciência, conhecimento.
Dama: O controle dos órgãos externos.
Darshana: Uma filosofia hindu.
Dashnāmī: Uma ordem monástica iniciada pelo grande santo e filosofo hindu Shankarāchārya. Ver “Shankarāchārya”.
Dāsya: Uma das atitudes de um devoto; expressando um relacionamento de um servidor para com Deus.
Deva: (lit. aquilo que brilha) Um ser com um corpo que emite luz; um deus.
Devī: (forma feminina do Deva) Uma deusa.
Dayānanda Sarasvatī: O fundador do Ārya Samāj (1824 – 1883).
Dhāranā: Fixar a mente num único objeto.
Dharma: (lit. aquilo que sustenta a existência de qualquer coisa) Qualidade essencial; religião; código de deveres; dever.
Dhruva: Um santo da mitologia hindu.
Dhyāna: Meditação; O estado de ininterrupta concentração mental num único objeto.
Mãe Divina: Deus visto como mãe.
Dol Pūrnimā / Holi: Festival hindu da primavera; associado a vida de Sri Krishna.
Durgā: Um nome da Mãe Divina.
Dvaita: Filosofia dualista; uma ramificação da escola filosófica Vedānta.
Durgā Pūjā: Adoração a Durgā. Ver Durgā.
Quatro estágios da vida ariana: Brahmacharya (estágio de um estudante solteiro), Gārhasthya (estágio de um chefe de família), Vānaprasthya (estágio de afastamento), Sannyāsa (estágio de um monge, ou asceta).
Gafurov, Bobodzhan: Natural do Tajikstan; se especializou na história da Ásia central e menor. Foi diretor do Instituto de Estudos Orientais em Moscou, e membro da Academia de Ciências da União Soviética.
Gārgī: Uma grande erudita do período védico.
Gārhasthya: O segundo estágio da vida hindu; o estágio de um chefe de família.
Gāyatrī Mantra: Um verso sagrado do Rig-Veda que é recitado diariamente pelos membros das três castas superiores, uma vez que tenham recebido o cordão sagrado (Upavīta); é também conhecido como Sāvitrī Mantra.
Guna: Qualidade, propriedade ou característica; qualquer uma das três substâncias sutis que constituem Prakriti, ou a Mãe Natureza. De acordo com filosofia Sānkhya, Prakriti consiste de três gunas conhecidos como Tamas (inércia e apatia), Rajas (atividade e inquietação) e Sattva ( Equilíbrio, harmonia e Serenidade).
Guru: Mestre espiritual; também alguém que provê educação secular.
Hatha Yoga: Uma das escolas da yoga; tem como meta principal, a saúde física e o bem estar.
Hiranyagarbha: A primeira criatura; através de quem Deus projeta o universo físico. Também chamado de Brahmā.
Chefe de família: Homem ou mulher de família; uma pessoa que não vive uma vida monástica.
Hrī: Modéstia.
Īshvara: Deus, O Criador; Saguna Brahman; Deus pessoal.
Japa: Repetição de um nome sagrado.
Jātyantara Parināma: A transformação de uma espécie em outra.
Jīvanmukta: Uma pessoa liberada durante a vida.
Jīvanmukti: O estado de um jīvanmukta.
Jnāna Yoga: O caminho do conhecimento; um dos quatro tipos fundamentais de disciplina espiritual.
Kalki: O nome da última das encarnações divinas mencionadas nos Purānas.
Kalpa: Um ciclo periódico de criação e dissolução.
Kamalākānta: Um santo bengali.
Karma: Ação, ato, trabalho; resultado ou efeito de uma ação.
Karma Yoga: O caminho da ação correta; um dos quatro tipos fundamentais de disciplina espiritual.
Karmaphala: (lit. o fruto de uma ação) Os efeitos, ou reações das ações, que afetam o fazedor na forma de dor ou prazer. Karmaphala é de três tipos: Prārabdha, Sanchita e Kriyamāna.
Krishna: Uma encarnação de Deus.
Kryiamāna: (lit. o que está sendo feito) Os efeitos das ações da vida presente; serão experiênciadas no futuro.
Kshamā: Perdão.
Kshatriya: Pessoa que pertence a casta militar.
Kshiti: O elemento terra.
Kundalinī: O poder espiritual dormente no homem; reside entre a base do órgão sexual e o ânus. Quando desperto através de praticas espirituais, se eleva através do canal central sushumnā, que está localizado dentro da coluna cervical, e ruma em direção ao cérebro. Dentro do canal sushumnā existem seis diferentes centros de percepção espiritual, chamados de Chakras. Eles são: (1) Mūlādhāra, (2) Svādhishthāna, (3) Manipura, (4) Anāhata, (5) Vishuddha e (6) Ājnā. Esses chakras são vistos pelos yogues como sendo flores de lotos. O chakra mūlādhāra, situado próximo ao ânus, é um lotos de quatro pétalas. O chakra svādhishthāna, situado na base do órgão sexual, tem cinco pétalas. O chakra manipura, que esta na região do umbigo, é um lotos de dez pétalas. O chakra anāhata está localizado na região do coração e contém doze pétalas. O chakra vishuddha, próximo a base da garganta, tem dezesseis pétalas. O chakra ājnā, situado entre as duas sobrancelhas, é um lotos de duas pétalas. O mūlādhāra é onde o poder Kundalinī está adormecido. Quando desperto, esse poder passa através dos seis chakras e alcança o cerebrum, onde o Sahasrāra, o lotos de mil pétalas está localizado. O Sahasrāra é o acento de Deus (Shiva). Quando o poder desperto da Kundalinī alcança o Sahasrāra, o aspirante espiritual torna-se iluminado.
Lakshmī: A deidade doadora da riqueza e da prosperidade. Os Purānas mencionam Lakshmī como sendo a consorte do Senhor Vishnu; também deusa da fortuna.
Līlā: Esporte; jogo divino.
Madhura: A atitude de um devoto que vê Deus como o seu amado.
Madhvāchārya: Um famoso santo e filósofo hindu do sul da Índia (1199 – 1278); também conhecido como Ānandatīrtha; fundador da escola dualista de filosofia Vedānta (Dvaita Vāda).
Mahānirvāna Tantra: Uma escritura tântrica clássica.
Mahātmā Gāndhī: Mohandās Karamchānd Gāndhī; conhecido líder político da Índia, renomado pelo seu movimento político não violento; considerado por muitos indianos como o pai da nação.
Mahāvākya(s): Importantes sentenças dos Vedas; falam a respeito da divindade do ser humano e da natureza de Deus.
Mānava Dharma: A religião do homem; um dos muitos nomes da religião dos indo-arianos.
Mantra: Uma fórmula sagrada que deve ser dita em conexão com rituais; também um conjunto de palavras sagradas.
Mārdava: Gentileza.
Mārga: Caminho.
Māyā: O poder de Deus de criar ilusões.
Meerā Bāi: Uma grande santa do norte da Índia (1504 – 1550).
Moksha: Liberação de todos os tipos de escravidão; liberação alcançada através da iluminação espiritual.
Mukti: Ver Moksha.
Naimittika Pralaya: Dissolução cósmica ocasional; durante o sono de Hiranyagarbha.
Nāta-mandira: O salão para as pessoas num templo hindu.
Nididhyāsana: Concentração no auto-conhecimento; Samādhi.
Nigama: Um tipo de literatura pertencente a tradição tântrica.
Nirguna Brahman: Deus impessoal; Deus sem atributos.
Nirvikalpa Samādhi: Um estado supra-consciente, durante o qual o aspirante realiza a sua absoluta unidade com o espírito universal, ou Nirguna Brahman.
Nivritti Mārga: O caminho da renúncia dos desejos sensuais.
Nrisimha: (lit. homem-leão) Uma encarnação divina mencionada nos Purānas.
Nyāya: Lógica indiana; um dos seis sistemas de filosofia hindu.
Om: A mais sagrada palavra dos Vedas, também escrita Aum; é um símbolo de Deus.
Pancha rina: As cinco dívidas.
Panchīkarana: (lit. quíntuplo) De acordo com a escola filosófica Vedānta; um processo particular no qual os cinco elementos que constituem o universo se combinam para formar este universo.
Pānini: Um famoso gramático da antiga Índia.
Pārvatī: Um outro nome para Shakti.
Patanjali: Fundador do sistema Yoga da filosofia hindu.
Pathyasvatī: Uma grande erudita do período védico.
Pingalā: Um canal nervoso na coluna cervical.
Prahlāda: Um grande devoto de Vishnu que tem a sua vida mencionada nos Purānas.
Prakriti: A natureza primordial, que associada a Purusha, cria o universo. É um dos conceitos da escola filosófica Sānkhya.
Prākrita Pralaya: A dissolucao cósmica ao final da vida de Hiranyagarbha; quando ele, Hiranyagarbha, se libera.
Pralaya: Dissolução cósmica.
Prānāyāma: Um tipo de exercício respiratório que ajuda na concentração mental.
Pranava: A sílaba sagrada Om do hinduísmo.
Prārabdha: A força cósmica que determina a atual vida da pessoa.
Prasāda: Comida ou bebida que foi oferecida a uma deidade.
Pratyāhāra: O processo de retirar a mente dos objetos dos sentidos.
Pravritti Mārga: O caminho dos desejos sensuais permitidos; adequado aos chefes de família.
Prithivī: O elemento terra; também chamado de Kshiti.
Purāna(s): Mitologia hindu.
Ordem Pūri: Um dos ramos da ordem monástica Dashnāmī fundada por Shankarāchārya.
Purusha: (lit. um homem) Um termo da filosofia Sānkhya que se refere ao eterno princípio senciente; de acordo com Sānkhya, existem muitos purushas.
Pūrva Mimāmsā: Um dos seis principais sistemas da filosofia hindu.
Rajas: Uma das três substancias sutis que constituem Prakriti, ou a Mãe Natureza.
Rāja Yoga: O caminho da concentração mental; um dos quatro tipos fundamentais de disciplina espiritual.
Rāma: Uma encarnação divina; o épico Rāmāyana é a estória de sua vida.
Rāmakrishna: Um santo hindu do século 19 (1836 – 1886) conhecido como o profeta da harmonia das religiões; também considerado por muitos como uma encarnação divina.
Rāmānujāchārya: Um famoso santo e filósofo do sul da Índia; fundador da escola filosófica de não dualismo qualificado (Vishishtādvaita Vāda).
Rāmāyana: Um famoso épico hindu; o autor chama-se Vālmīki.
Rāmprasād: Um conhecido santo bengali; compositor de muitas canções a respeito da Mãe Divina.
Rishi: Vidente de Deus; um sábio.
Rita: A eterna ordem moral.
Saguna Brahman: Brahman com atributos; o Deus impessoal visto através de māyā como um Deus pessoal; O Criador, Preservador e Destruidor do universo.
Sahadharminī: Uma esposa.
Sahasrāra: O lotos de mil pétalas no cerebrum. Ver Kundalinī.
Sakhya: A atitude de um devoto que vê Deus como um amigo.
Samādhi: Concentração mental por excelência.
Samhitā: Uma das duas porções primárias dos Vedas; onde estão contidos os hinos e as fórmulas sagradas (mantras).
Sanātana Dharma: (lit. a religião eterna) Um dos nomes da religião dos indo-arianos.
Sannyāsa: O quarto estágio da vida hindu; o estágio de renuncia completa.
Sannyāsin: Um monge que renunciou a tudo; pertencente ao quarto estágio da vida hindu.
Satchidānanda: O oceano de Existência, Conhecimento e Bem-aventurança; uma expressão metafórica que sugere a indescritível realidade absoluta, ou Niguna Brahman.
Sāvitrī Mantra: Ver Gāyatrī Mantra.
Shaiva: Uma seita hindu de adoradores de Deus como Shiva.
Shaiva Āgama(s): Um tipo de literatura pertencente a seita Shaiva.
Shākta: Uma seita hindu de adoradores de Deus como a Mãe Divina; ou um membro dessa seita; ou que pertence a essa seita.
Shankarāchārya: O grande santo e filósofo vedantista do sul da Índia (c.700 – 740).
Shānta: Uma atitude não emocional de um devoto que contempla as infinitas glórias do Deus pessoal.
Shānti: Paz.
Shaucha: Purificação do corpo e da mente.
Shiva: Um dos aspectos da trindade hindu; representa Deus como o Destruidor.
Shraddhā: Fé implícita no mestre, ou em outras pessoas respeitáveis.
Srīmad Bhāgavata: Um dos Purānas.
Shruti: (lit. qualquer coisa que é ouvida) Conhecimento revelado; os Vedas.
Shūdra: Pessoa que pertence a casta dos fazendeiros, artesãos etc.
Siddhi(s): Poder(es).
Smriti(s): (lit., qualquer coisa que é lembrada) Qualquer escritura que não seja os Vedas, especialmente se apresenta leis sociais e domésticas.
Snātaka: Um estudante que completou a sua educação.
Srishti: Criação.
Sthiti: A existência continua – o estado do universo entre a Criação e a Dissolução.
Sthūla: Denso; físico, ao contrário de sutil. (sūkshma).
Sūkshma: Sutil, fino.
Tamas: Uma das três substâncias sutis que constituem Prakriti, ou a Mãe Natureza.
Tanmātra(s): Os constituintes elementares do universo.
Tantra: Um tipo de escritura que não provem diretamente dos Vedas; apresenta Deus como Shiva e Shakti.
Upanishad(s): Escrituras muito ricas no seu conteúdo filosófico; formam parte dos Vedas.
Upāsanā: Adoração a Deus.
Vaishnava: Uma seita hindu que adora a Deus como Vishnu.
Vaishya: Pessoa que pertence a casta dos comerciantes.
Vānaprasthya: O terceiro estágio da vida ariana; o estágio no qual a pessoa se afasta da sociedade.
Vārānasī: Uma das mais sagradas cidades da Índia.
Vātsalya: A atitude de um devoto que vê Deus como um filho.
Vāyu: O elemento ar.
Vedānta: (lit., o final dos Vedas) Os Upanishads; também um dos seis sistemas da filosofia hindu.
Vidyāsāgar, Īshvar Chandra: Um grande educador, reformista e filantropo bengali (1820 - 1891).
Vīja Mantra(s): A(s) sílaba(s) sagrada(s); significa(m) Deus.
Virāt: A deidade que preside o universo físico.
Vishistādvaita (Não dualismo qualificado): Fundada por Rāmānuja, é uma ramificação da filosofia Vedānta; de acordo com ela, a alma e a natureza são aspectos de Brahman, e a alma individual é parte de Brahman.
Vishnu: O aspecto preservador de Deus.
Vivekānanda, Swāmī: Renomado monge hindu; fundador da Ordem Rāmakrishna e da Missão Rāmakrishna; primeiro pregador do hinduísmo no ocidente (1863 – 1902).
Vyāsa: Também conhecido como Vādarāyana; o grande sábio do período védico e compilador dos Vedas. Autor do épico hindu Mahābhārata.
Yama: Uma fase preliminar de disciplina moral prescrita na Rāja Yoga.
Yoga: (lit., união com Deus); qualquer tipo de disciplina espiritual que leve a tal união.
Yogī (Yogue): Pessoa que pratica yoga.